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domingo, 2 de novembro de 2014

A infalibilidade das Escrituras

Por R. C. Sproul


Os reformadores estavam convencidos de que a Bíblia, por ter sua origem em Deus e ser dirigida pela inspiração dele, é infalível. Infalibilidade se refere à sua indefectibilidade, ou à impossibilidade de ela estar em erro. Aquilo que é infalível é incapaz de falir. Nós atribuímos infalibilidade a Deus e sua obra por causa de sua natureza e caráter. Com respeito à natureza de Deus ele é considerado onisciente. Com respeito a seu caráter, ele é considerado santo e inteiramente justo.

Teoricamente podemos conceber um ser que é justo, mas limitado em seu conhecimento. Tal ser poderia cometer erros em suas falas, não por causa de um desejo de enganar ou ludibriar, mas em razão de sua falta de conhecimento. Cometeria erros honestos. Em termos humanos nós entendemos que pessoas podem fazer afirmações falsas sem contar uma mentira. A diferença entre uma mentira e um simples erro está no nível da intenção. Por outro lado, podemos conceber um ser que seja onisciente, mas mau. Esse ser não poderia cometer um erro por causa da falta de conhecimento, mas poderia dizer uma mentira. Isso claramente envolveria intenção má ou maldosa. Visto, porém, que Deus é tanto onisciente como moralmente perfeito, ele é incapaz de dizer uma mentira ou cometer um erro.

Quando dizemos que a Bíblia é infalível em sua origem, estamos meramente atribuindo sua origem a um Deus que é infalível. Isto não é dizer que os escritores bíblicos foram intrinsecamente ou em si infalíveis. Foram seres humanos que, como outros humanos, provaram o axioma errare humanum est, "errar é humano". É precisamente porque os humanos são dados a erro que, para a Bíblia ser a Palavra de Deus, seus autores humanos necessitaram de ajuda em sua tarefa.

É levantada nos nossos dias a questão da inspiração da Escritura. Nesse ponto alguns teólogos têm procurado (como diz a expressão em inglês) "comer seu bolo e ainda tê-lo". Afirmam a inspiração da Bíblia, enquanto, ao mesmo tempo, negam sua infalibilidade. Argumentam que a Bíblia, apesar de sua inspiração divina, ainda erra. A ideia de erro divinamente inspirado é uma das que fazem engasgar. Recuamos horrorizados da noção de que Deus inspira erro. Inspirar erro exigiria ou que Deus não fosse onisciente ou que ele fosse mau.

Talvez o que esteja em vista na ideia de erro inspirado é que a inspiração, embora procedendo de um Deus bom e onisciente, simplesmente é ineficaz para a tarefa em mãos. Isto é, deixa de realizar o seu propósito intencionado. Nesse caso outro atributo de Deus, sua onipotência, é negociado a ponto de sumir. Talvez Deus simplesmente seja incapaz de superintender a tendência humana de errar dos autores humanos.

Certamente faria mais sentido negar a inspiração completamente do que ligar inspiração com erro. Na verdade, a maioria dos críticos da infalibilidade da Bíblia leva seus machados à raiz da árvore e rejeita a inspiração completamente. Essa parece ser uma abordagem mais honesta e lógica. Evita a impiedade de negar atributo fundamentais ao próprio Deus.

Vamos examinar rapidamente uma fórmula que tem tido alguma aceitação em nossos dias: "A Bíblia é a Palavra de Deus, que erra". Ora, vamos cancelar algumas destas palavras. Apague "A Bíblia é", de modo que se leia a fórmula: "A Palavra de Deus, que erra". Agora apague "A Palavra de" e "que". O resultado é "Deus erra". Dizer que a Bíblia é a Palavrar de Deus que erra é claramente se acomodar à fala dupla ímpia. Se é a Palavra de Deus, ela não erra. Se erra, não é a Palavra de Deus. Certamente podemos ter uma palavra sobre Deus que erra, mas não podemos ter uma palavra que erra vinda de Deus.

Que a Escritura tem sua origem em Deus é reivindicado repetidamente pela Bíblia. Um exemplo já notado se encontra na Epístola aos Romanos, de Paulo. Paulo se identifica como sendo "servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus" (Rm 1.1). Na frase "o evangelho de Deus" a palavra de é um genitivo indicando posse. Paulo está falando não meramente de um evangelho que é a respeito de Deus, mas de um evangelho pertencente a Deus. É posse de Deus e vem dele. Resumindo, Paulo está declarando que o evangelho que ele prega não vem dos homens ou de invenção humana; é dado por revelação divina. A controvérsia toda sobre a inspiração e infalibilidade da Bíblia é fundamentalmente uma controvérsia sobre revelação sobrenatural. A teologia reformada é entregue ao Cristianismo como uma fé revelada, uma fé que tem base, não em discernimento humano, mas em informação que vem a nós do próprio Deus.

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Fonte: SPROUL, R. C. O que é teologia reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, pp. 38-40.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Arrogância, principal tentação do reformado

Por Rev. Naziaseno Cordeiro Torres


O que leva reformados ao caminho da arrogância e soberba? Essa pergunta pode soar  estanha e imprópria. Entretanto a altivez e o orgulho espiritual é um pecado no qual muitos  reformados caem.  A razão para o deslize – por incrível que pareça - é causado  pelo conhecimento doutrinário que se recebe.  O que fazer com ele? A resposta a essa pergunta é que faz toda a diferença.
Diz o velho jargão que “conhecimento é poder”.  É fato que aqueles que têm contado com a fé reformada -  e se afadigam no estudo da mesma  - estão à frente daqueles cristãos evangélicos que só conhecem superficialmente o Evangelho de Cristo.  Os reformados estão entre os leitores de livros doutrinários e históricos, freqüentam simpósios e encontros, além de utilizar ferramentas da mídia eletrônica para se atualizarem nos blogs e sites. Esse conhecimento os separa e os distingue das massas alienadas fabricadas pelo raso  evangelicalismo moderno. Como resultado alguns reformados se julgam superiores ao demais gerando, assim, soberba e arrogância.
Estranho esse proceder, pois quanto mais conhecimento obtemos de Deus mais conscientes deveríamos ficar da nossa miséria e falência.  Como resultado Isso deveria nos levar ao quebrantamento e a servidão de tal forma que consideraríamos os outros superiores a nós mesmos.
Ao contemplar a glória de Deus no Templo, após uma profunda crise , Isaías em êxtase gritou: “Ai de mim! Estou perdido!”. O peso da glória divina esmagou toda a prepotência e vaidade do profeta -  fê-lo conhecer sua insignificância e vileza.  Além disso, logo após essa confissão, brotou uma identificação com o próximo de tal maneira que o levou ao serviço: “eis-me aqui”. Essa visão reformou completamente o profeta. O conhecimento de Deus o lançou ao povo a fim de instruí-lo na verdade. Eis um homem consciente da sua miséria e depravação com uma mensagem de perdão e esperança nos lábios. A contemplação da majestade de Deus não levou Isaías ao orgulho espiritual e nem ao isolamento dos demais homens.
Mas, hoje,  em muitos casos, não é isso o que acontece. Por quê? É simples: muitos têm uma apreensão intelectual da Verdade, porém essa nunca desceu para o coração. Assim sendo, o conhecimento de Cristo e da sua doutrina quando não nos leva à humildade, inevitavelmente, nos conduz à soberba e, por que não dizer, ao  farisaísmo.  
Às vezes ouço a antiga oração ecoando por aí: “Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, arminianos, pentecostais e dispensacionalistas, nem ainda como um liberal; leio a Confissão de Fé duas vezes por dia e dou o máximo de tudo quanto ganho para comprar livros reformados, freqüentar congressos e simpósios”. Esses se consideram justos e desprezam os demais.  Algo não muito raro no nosso meio.
Concluo enfatizando que precisamos de um calvinismo experimental -   uma reforma que nos leva a uma experiência diária de real quebrantamento diante de Deus e humildade perante os demais homens.  O “eis-me aqui” de Isaías precisar ser acompanhado pelo “Ai de mim! Estou perdido!”.  São essas duas expressões que devem moldar o caráter do reformado, pois somente assim poderemos fazer diferença no nosso meio e na nossa geração. Então, quando o discurso e a prática estiveram presentes na nossa fé reformada seremos realmente  relevantes para o mundo. Porém, se tivermos apenas a fé reformada sem a experiência de vida reformada  estaremos falando de nós para nós mesmos – presos no gueto da nossa própria vaidade e futilidade.  Medite nessas cousas!

segunda-feira, 21 de julho de 2014

O Pós-Modernismo e a Igreja

Por John MacArthur


A igreja atualmente está cheia de gente que advoga ideias pós-modernistas. Alguns deles fazem isso consciente e deliberadamente, mas a maioria o faz sem querer (tendo embebido demasiado do espírito dos tempos, eles estão simplesmente regurgitando opiniões do mundo). O movimento evangélico como um todo, ainda se recuperando de sua longa batalha contra o modernismo, não está preparado para um adversário novo e diferente. Muitos cristãos, portanto, não reconheceram ainda o perigo extremo colocado pelo pensamento pós-modernista.

A influência pós-modernista claramente já infecta a igreja. Os evangélicos estão baixando o tom da sua mensagem para que as rígidas alegações de verdades do evangelho não soem tão desagradáveis aos ouvidos pós-modernos. Muitos evitam fazer afirmações inequívocas de que a Bíblia é verdadeira e todos os outros sistemas religiosos do mundo são falsos. Alguns, que se intitulam cristãos, foram ainda mais longe, determinadamente negando a exclusividade de Cristo e abertamente questionando sua alegação de ser ele o único caminho para Deus.


A mensagem bíblica é clara. Jesus disse: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). O apóstolo Pedro proclamou a uma audiência hostil, “... não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4.12). O apóstolo João escreveu “... quem crê no Filho tem a vida; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus” (Jo 3.36). Repetidas vezes as Escrituras enfatizam que Jesus Cristo é a única esperança de salvação para o mundo. “... há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1Tm 2.5). Somente Cristo pode expiar pecados e, portanto, somente Cristo pode dar salvação. “... o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está no seu Filho. Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não tem o Filho de Deus não tem a vida” (1Jo 5. 11,12).

Essas verdades são contrárias à doutrina central do pós-modernismo. Elas fazem alegações de verdade exclusivas, universais, declarando ser Cristo o único caminho para o céu e errôneos todos os outros sistemas de crença. Isto é o que as Escrituras ensinam. É o que a igreja verdadeira tem proclamado ao longo de toda a sua história. É a mensagem do Cristianismo, que simplesmente não pode ser ajustado para acomodar as sensibilidades pós-modernas. Em vez disso, muitos cristãos simplesmente vão passando por cima das alegações exclusivas de Cristo, debaixo de um silêncio constrangedor. Pior ainda, alguns na igreja – incluindo alguns dos mais conhecidos líderes evangélicos – começaram a sugerir que talvez o povo possa ser salvo fora do conhecimento de Cristo.

Os cristãos não podem capitular ao pós-modernismo sem sacrificar a essência da nossa fé. A afirmação da Bíblia de que Cristo é o único caminho da salvação está certamente em desarmonia com a noção pós-moderna de “tolerância”, mas é, no final das contas, exatamente o que a Bíblia claramente ensina. E a Bíblia, não a opinião pós-moderna, é a autoridade suprema para o cristão. Somente a Bíblia deve determinar em quê nós cremos e proclamar isso ao mundo. Não podemos abrir mão disso, não importa quanto o mundo pós-modernista reclame que nossas crenças fazem de nós pessoas “intolerantes”.



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Fonte: MACARTHUR, John. Princípios para uma Cosmovisão Bíblica: uma mensagem exclusiva para um mundo pluralista. 2º ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, pp. 21-24 (Adaptado para postagem).

segunda-feira, 7 de julho de 2014

5 Coisas que todo homem casado deveria fazer quando em companhia de mulheres solteiras

Por Bryan Van Slyke


Certa vez, um sábio homem me aconselhou que, quando eu estiver reunido com mulheres solteiras, especialmente atraentes ou interessantes, devo mencionar minha esposa e minha família logo no início da conversa. Percebi que esse conselho foi útil em muitas ocasiões. 

Caros maridos companheiros, aprendi o conselho acima, como também outras dicas abaixo listadas, essenciais para manter o meu casamento saudável e forte. Quero que meu casamento seja forte e saudável e você também! Na verdade, é uma das maiores responsabilidades no seu casamento. 

Então, vamos nos aprofundar neste assunto. Em quais situações você se encaixa? Para muitos, isto poderia facilmente acontecer no trabalho. Você poderia estar iniciando em um novo emprego e encontrar-se cercado de mulheres jovens e agradáveis. Se for esse o caso, você precisa escolher entre atrair a atenção delas ou impor-se de forma amigável, mencionando sua bela esposa e família. 

Outros podem estar trabalhando com as mesmas mulheres há mais tempo. Você pode ter optado por envolver-se em flertes ou sair com os colegas de trabalho após o expediente. Se este for o seu caso e sua esposa estiver em casa esperando por você, então é hora de voltar atrás e reavaliar a sua posição como o marido e líder, tomar as medidas necessárias para tornar a sua relação com sua esposa a mais importante e não se esquecer disso. Liderança, senhores, liderança! 

Mesmo que tenham sido apenas alguns rápidos exemplos, sei que alguns precisam intensificar o seu papel de marido. Estes exemplos não se aplicam a você? Então, pense em suas amizades na academia, no supermercado, na padaria, na internet ou em qualquer outro lugar. Estes "simples" locais poderiam produzir relacionamentos difíceis que podem prejudicar tanto o seu relacionamento quanto o seu amor pela sua esposa. Tome coragem e faça o que precisa ser feito para o seu casamento! 

Agora que tenho sua atenção, aqui estão cinco coisas que todo homem casado deve fazer ao encontrar-se em companhia de mulheres solteiras:

1. Mantenha sua aliança no dedo. Há muito poucas exceções quando o anel precisa ser tirado, como ao operar máquinas pesadas, nadar em águas infestadas de tubarões e afins. Se você está prestes a entrar alguma situação que o faça olhar para o seu anel e considerar se você precisa dele no ou não, saia! Corra! Afaste-se! Sério, saia dessa situação; seus votos, casamento, filhos e muito mais dependem dessas decisões importantes. (Leia Lucas 16:10.)

2. Tenha fotos da sua esposa no trabalho. Um homem casado, nessa situação, seria sábio ao escolher um par de grandes e divertidas fotos dele e da sua esposa e mantê-las exibidas em seu escritório ou local de trabalho. Escolha uma situação que tenha sido divertida por dois motivos: você se lembrará porque gosta tanto dela, e será um ótimo assunto para conversa quando em companhia de outras pessoas, especialmente mulheres. Atualize a foto quando necessário, para que as pessoas ao seu redor vejam o crescimento no seu relacionamento. Separe esta foto ainda essa semana e apague o fogo. (Leia o Salmo 119:37.)

3. Mantenha contato simples e breve. Não leia isso da forma errada; não estou dizendo para ser rude. Estou falando para ser cuidadoso para onde viajam seus olhos e por quanto tempo eles viajam quando você está perto de uma mulher atraente. Você sabe que, ao se deter no primeiro olhar, você estará assinando na linha pontilhada para maiores problemas. Mantenha o olhar breve, mantenha-o decisivo e siga em frente. Olhe novamente para a foto em sua mesa. Faça isso! (Leia Mateus 5.28)

4. Mantenha a conversa geral e profissional. Se você trabalha com mulheres solteiras, não há dúvida de que a conversa vai acontecer. Cabe a você como falar com elas. Você pode optar por manter os diálogos curtos e generalizados, pode optar por mantê-los profissionais, ou você pode permitir que a conversa tome rumos que não deveria. Seja educado, mas muito intencional em suas conversas. Se necessário, mais uma vez, esteja sempre pronto para falar sobre a sua esposa ou sua família. Puxe o pino do extintor, mire e extinga a chama. Segurança em primeiro lugar. (Leia Romanos 6:13.)

5. Fale sobre a sua esposa e faça isso com frequência. Já mencionei sobre a importância de falar sobre a sua esposa em suas conversas? Acho que sim, mas esse último tópico solidifica essa idéia. As mulheres solteiras com quem você lida diariamente, não devem ser páreo para a sua esposa e para a sua família. Sua família deve ser a sua primeira prioridade onde quer que você esteja e com qualquer pessoa que se encontre diariamente. Sim, cada dia e todo dia. Seja breve, seja simples e mencione sua linda esposa. Agora dê um tapinha nas suas costas e ânimo. (Leia Efésios 5.25-33)

Nota Importante: Não importa o que você tenha feito em seus relacionamentos atuais com mulheres solteiras, esses passos podem e devem ser iniciados a qualquer momento. Os sentimentos da sua esposa são e sempre serão mais importantes do que os da mulher com quem você precisa dar início a esses passos. Seja firme.

Eu o desafio a dar esses passos de forma confiante, por você, pelo seu casamento e pela sua família. Novamente, é sua a responsabilidade de liderar!

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Fonte: CharismaMag
Tradução e versão: Carla Ribas

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Um estudo detalhado sobre João 3: 16

Por John Owen

Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna. (Jo. 3: 16).

Muitas vezes este versículo é usado para ensinar que:

  • "amou" = Deus tem tal anseio natural pelo bem de.
  • "mundo" = toda a raça humana, em todas as épocas e tempos.
  • "deu" = Ele deu Seu Filho para morrer, na verdade, não para salvar qualquer um, mas.
  • "todo aquele" = para que qualquer um que tenha a tendência natural para crer.
  • "tenha" = possa, assim, obter a vida eterna.

Contrastando com isso, nós entendemos que o versículo ensina:

  • "amou" = Deus tem um amor tão especial, tão supremo, que Ele determinou.
  • "mundo" = que todo o Seu povo, dentre todas as raças fosse salvo.
  • "deu" = ao designar Seu Filho para ser um Salvador adequado.
  • "todo aquele que" = deixando claro que todos os crentes, e somente eles.
  • "tenha" = tenham, efetivamente, todas as coisas gloriosas que Ele planejou para eles.
Há três coisas a serem cuidadosamente estudadas aqui. Em primeiro lugar, o amor de Deus; em segundo lugar, o objeto do amor de deus, aqui chamado de "o mundo"; em terceiro lugar, a intenção do amor de Deus: para que os crentes "não pereçam".

1. É importante entender que nada que sugira que Deus é imperfeito deve ser dito a respeito dEle. Sua obra é perfeita. No entanto, se for argumentado que Ele tem um anseio natural quanto à salvação de todos, então, o fato de todos não serem salvos deve significar que Seu anseio é fraco e Sua felicidade é incompleta.

Além disso, as Escrituras não afirmam, em lugar algum, que Deus é naturalmente inclinado ao bem de todos. Ao contrário, é evidente que Deus é completamente capaz de ter misericórdia daqueles pelos quais Ele terá misericórdia. Seu amor é um ato livre de Sua vontade, não uma emoção produzida nEle por nosso estado miserável. (Se fosse a miséria que tivesse atraído o anseio natural de Deus para ajudar, então Ele deveria ser misericordioso para com os demônios e os condenados!).

O amor que é aqui descrito é um ato supremo e especial da vontade de Deus, dirigido particularmente aos crentes. As palavras "de tal maneira" e "para que" enfatizam a característica incomum desse amor e o claro propósito desse amor no sentido de salvar os crentes da perdição. Então, este amor não pode ser uma afeição comum por todos, desde que alguns realmente perecem.

Outros versículos das Escrituras também concordam que esse amor de Deus é um ato supremo e é dirigido especialmente aos crentes, como, por exemplo, Romanos 5: 8 ou 1 João 4: 9, 10. Ninguém falaria de uma inclinação natural para o bem de todos, através de maneiras tão enfáticas como estas.

É claro que Deus quer o bem de todos a quem Ele ama. Então, segue-se que Ele ama somente aqueles que recebem esse bem. O mesmo amor que O levou a dar Seu Filho Jesus Cristo, faz com que Ele dê também todas as outras coisas necessárias, "Aquele que nem mesmo a seu próprio filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas?" (Romanos 8: 32). Assim, este amor especial de Deus pode, portanto, ser somente por aqueles que realmente tenham recebido graça e glória.

Ora, leitor cristão, você precisa julgar: pode o amor de Deus, que deu o Seu Filho, ser entendido como um sentimento de boa vontade para com todos em geral? Não será, ao invés disso, o Seu amor especial para com os crentes eleitos?

2. Precisamos examinar o que é o objeto desse amor de Deus, aqui chamado de "o mundo". Alguns dizem: isso deve significar todos e cada um dos homens. Eu jamais consegui ver como isso poderia significar tal coisa. Já demonstramos os diferentes sentidos com que a palavra "mundo" é usada nas Escrituras. E, em João 3:16, o amor mencionado no princípio e o propósito no final, não podem concordar com o significado de "todos e cada um dos homens" que é imposto, por alguns, sobre "o mundo", o qual ocorre no meio do versículo.

De nossa parte, entendemos que essa palavra significa os eleitos de Deus espalhados pelo mundo entre todas as nações. Os benefícios especiais de Deus já não são para os judeus somente. O sentido é: "Deus amou os Seus eleitos em todo o mundo de tal maneira, que deu o Seu Filho com esse propósito, para que os crentes pudessem ser salvos por Ele". Há várias razões que corroboram esse ponto de vista.

A natureza do amor de Deus conforme já examinamos aqui, não pode ser considerada como sendo estendida a todos e a cada um dos homens. O "mundo", neste versículo, tem que ser aquele mundo que realmente receba a vida eterna. Isso é confirmado pelo versículo seguinte - João 3: 17 - onde, na terceira ocorrência do termo "mundo", é afirmado que o propósito de Deus ao enviar Cristo foi "para que o mundo fosse salvo". Se "mundo" se refere aqui a quaisquer pessoas senão aos crentes eleitos, então Deus falhou no Seu propósito. Não ousaríamos admitir isso.

Não é raro, de fato, o povo de Deus ser designado por termos, tais como: "mundo", "toda a carne", "todas as nações", e "todas as famílias da terra". Em João 4: 42, por exemplo, é afirmado que Cristo é o Salvador do mundo. Um Salvador de homens não salvos seria uma contradição de termos. Assim sendo, aqueles que aqui são chamados de "o mundo" têm que ser apenas aqueles que são salvos.

Há várias razões porque os crentes são chamados de "o mundo". É para distingui-los dos anjos; para rejeitar judeus jactanciosos que pensavam ser apenas eles o povo de Deus; para ensinar a distinção entre a velha aliança feita com uma só nação, e a nova - na qual todas as nações do mundo se tornariam obedientes a Cristo; e para mostrar a condição natural dos crentes como criaturas terrestres e deste mundo.

Se for ainda argumentado que "mundo" aqui se refere a todos e a cada um dos homens como sendo o objeto do amor de Deus, então, por que Deus não revelou Jesus a todos a quem Ele tanto amou? É muito estranho que Deus desse Seu Filho para eles, e, no entanto, nunca lhes falasse desse amor, pois milhões jamais ouviram o evangelho! Como pode ser dito que Ele ama todos os homens, se, na Sua providência, esse amor não chega a ser conhecido por todos os homens?

Finalmente, "mundo" não pode significar todos e cada um dos homens, a menos que estejamos dispostos a admitir que:


  • O amor de Deus em relação a muitos é em vão, porque eles perecem;
  • Cristo foi enviado em favor de milhões que jamais O conheceram;
  • Cristo foi enviado em favor de milhões que não podem crer nEle.
  • Deus muda Seu amor para abandonar aqueles que perecem (ou isso, ou Ele continua a amá-los no inferno);
  • Deus não consegue dar todas as coisas àqueles pelos quais Ele deu Cristo.
  • Deus não sabe de antemão quem vai crer e ser salvo.

Não podemos admitir tais absurdos; "mundo" só pode significar aquelas pessoas espalhadas pelo mundo, que são eleitos.

3. Afirma-se que a maneira pela qual os eleitos de Deus chegam, realmente, a obter a vida que está em Seu Filho é através do ato de crer. É "cada crente que não vai perecer"[1].

Se for alegado que Cristo morreu por todos e por cada um dos homens, e, entretanto, nós agora aprendemos que somente os crentes serão salvos, o que é que faz a diferença entre crente e não crentes? Eles não podem fazer a diferença por si mesmos (Ver 1 Coríntios 4: 7). Então Deus os fez diferentes. Mas se Deus os fez diferentes, como pode ter enviado Cristo para todos eles?

O versículo (João 3: 16) declara a intenção de Deus no sentido de que os crentes serão salvos. Segue-se, então, que Deus não deu Seu Filho para os incrédulos. Como poderia ter dado Seu Filho para aqueles a quem Ele não deu a graça de crer?

Ora, que o leitor pese todas estas coisas, e especialmente a primeira - o amor de Deus - e pergunte seriamente se pode ser considerado uma afeição por todos em geral aquilo que pode tolerar a perdição de muitos daqueles a quem Ele tanto amou? Ou será que este amor não é melhor entendido como sendo aquele único, especial amor do Pai por Seus filhos crentes, que torna seguro o futuro deles? Então, você terá uma resposta se a Bíblia ensina, ou não, que Cristo morreu como um resgate geral - infrutífero com relação a muitos pelos quais o resgate foi pago ou como uma redenção especial e gloriosamente eficaz para cada crente. E lembre-se de que este texto, João 3: 16, é frequentemente usado para sustentar a ideia de que Cristo morreu por todos os homens - embora, como já tenho mostrado, seja completamente incompatível com tal noção!

***
Notas:

[1] Sugerir que "todo aqueles" significa "qualquer um" indefinidamente, não vai ajudar em nada a causa da redenção universal. A forma das palavras gregas é realmente "todos os crentes". Argumentar a favor de "qualquer um" é, sem dúvida, negar que o amor de Deus é igual para com todos os homens! Se alguns - o "todo aquele" - podem ser especialmente favorecidos, então Deus não pode ter amado todos os homens igualmente. Ele deve, de alguma forma, ter amado os "todos aqueles" mais do que o restante dos homens!

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Fonte: John Owen, Por quem Cristo Morreu?, PES, pp. 82-88 (adaptado para postagem).

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Loterias e Apostas

Por R. C. Sproul


Pergunta: Existe uma posição bíblica clara contra loterias e jogos em cassinos?

Resposta: Se há uma proibição bíblica explícita e direta contra jogos no cassino ou contra loterias? Não que eu saiba. Entretanto, a igreja cristã tem assumido uma posição consistentemente desfavorável contra os cassinos e loterias, baseada nas implicações de certos princípios teológicos. Por exemplo, na igreja em que fui ordenado ministro, parte de nossa posição confessional é que devemos seguir não apenas o que a Bíblia ensina explicitamente, mas o que pode ser deduzido das Escrituras por inferência clara e necessária. A Bíblia tem princípios claros que se referem a questões como essas. O mais importante, sem dúvida, é o princípio da mordomia, pelo qual sou responsável por agir como mordomo de minhas posses, inclusive minha riqueza e por não ser esbanjador e irresponsável na maneira como gasto meu dinheiro.

O maior problema que tenho com cassinos, e particularmente com loterias, é que eles tendem a ser investimentos muito medíocres, e inevitavelmente exploram os pobres da sociedade. O pobre sonha em melhorar seu bem-estar material. Ele sonha em possuir casa e um bom carro. Sonha em ser libertado das infindáveis e opressivas tarefas do trabalho diário com remuneração muito pequena. Sendo um trabalhador que recebe um pagamento baixo por horas de serviço, ou que depende de um cheque da Previdência Social, ele não terá nunca oportunidade de acumular dinheiro suficiente para construir uma base sólida ou investir no futuro. Sua única possibilidade de conseguir segurança financeira ou melhorar sua situação é apostar nos números e apostar alto nos cassinos. Ele usará seu dinheiro e esperará ganhar o prêmio milionário. Esse é o seu sonho. Mas ele não tem uma compreensão real de como o sistema funciona, e quão grandes são as desvantagens contra ele.

Passamos por essa luta no estado da Pensilvânia quando eu morava lá e todos estavam preocupados com crime organizado e tudo mais. O crime organizado já existia lá. Quando eu era menino, já havia uma loteria na Pensilvânia. Não era estatal, era dirigida pela Máfia, e podia-se comprar um número em quase todas as esquinas de Pittsburgh. O fato que me espantou foi que quando o estado assumiu a loteria para benefício de cidadãos importantes, as dificuldades para ganhar no sistema estatal eram piores do que as que existiam no sistema da Máfia. Portanto vi o estado tirando vantagem do desejo das pessoas de ficarem ricas depressa, e explorando o pobre através dessa terrível forma de investimento.

Pergunta: Qual deveria ser a posição cristã sobre apostas?

Resposta: Quando uma pergunta ética se refere à nossa cultura, é importante tentar respondê-la do ponto de vista dos princípios bíblicos. Se você andar pela rua e perguntar a cem cristãos: "É errado jogar?" Noventa e cinco deles provavelmente responderão de maneira automática: "Sim, sem dúvida". Em outras palavras, as tradições subculturais da comunidade cristã têm se oposto rigorosamente ao jogo e às apostas durantes séculos.

A Bíblia não diz: "Não jogarás". Portanto precisamos ser muito cuidadosos antes de declarar ao mundo que Deus se opõe a todas as formas de jogo. O que dizer sobre investir na bolsa de valores? E sobre investir numa companhia? O que dizer sobre qualquer tipo de investimento de capital? Em todos estes casos você está arriscando o seu dinheiro; todos são formas de jogo. Que diferença faz se você está investindo numa corrida de cavalos ou em ações da Bolsa de Valores de Nova Iorque? Alguns teólogos fazem uma distinção entre jogo de risco e casos de comércio ou astúcia. Uma coisa é investir o dinheiro numa companhia que eu mesmo vou operar, e cujo sucesso até certo ponto dependerá do meu grau de energia, meu trabalho, minha sabedoria e habilidade; outra coisa é entregar o meu dinheiro numa agência de apostas para ver o que acontece nesse jogo de sorte.

Creio que a questão real a respeito de apostas e loterias estaduais, do ponto de vista bíblico, se centraliza no princípio bíblico da mordomia. Deus nos dá certos recursos, benefícios, talentos e habilidade, e somos responsáveis por usá-los com sabedoria. Deus não é favorável ao desperdício de dinheiro, à falta de cuidado com os bens que Ele nos dá. O grande problema com o jogo é a má mordomia. Numa corrida de cavalos, ou de cachorros ou numa loteria estadual, as desvantagens são tão grandes contra você, especialmente em agências de aposta, que todos representam um mau uso de seu capital de investimento. Nessa altura, eu diria que os cristãos não devem apoiar este tipo de empreendimento.

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Fonte: R. C. Sproul, Boa Pergunta!, Cultura Cristã, pp. 288-290.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Como Assim, "Não Toqueis no Ungido do Senhor..."?!

Por Augustus Nicodemus Lopes


Há várias passagens na Bíblia onde aparecem expressões iguais ou semelhantes a estas do título desta postagem:
A ninguém permitiu que os oprimisse; antes, por amor deles, repreendeu a reis, dizendo: Não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas (1Cr 16:21-22; cf. Sl 105:15).

Todavia, a passagem mais conhecida é aquela em que Davi, sendo pressionado pelos seus homens para aproveitar a oportunidade de matar Saul na caverna, respondeu: "O Senhor me guarde de que eu faça tal coisa ao meu senhor, isto é, que eu estenda a mão contra ele [Saul], pois é o ungido do Senhor" (1Sm 24:6).

Noutra ocasião, Davi impediu com o mesmo argumento que Abisai, seu homem de confiança, matasse Saul, que dormia tranquilamente ao relento: "Não o mates, pois quem haverá que estenda a mão contra o ungido do Senhor e fique inocente?" (1Sm 26:9). Davi de tal forma respeitava Saul, como ungido do Senhor, que não perdoou o homem que o matou: “Como não temeste estender a mão para matares o ungido do Senhor?” (2Sm 1:14).

Esta relutância de Davi em matar Saul por ser ele o ungido do Senhor tem sido interpretado por muitos evangélicos como um princípio bíblico referente aos pastores e líderes a ser observado em nossos dias, nas igrejas cristãs. Para eles, uma vez que os pastores, bispos e apóstolos são os ungidos do Senhor, não se pode levantar a mão contra eles, isto é, não se pode acusa-los, contraditá-los, questioná-los, criticá-los e muito menos mover-se qualquer ação contrária a eles. A unção do Senhor funcionaria como uma espécie de proteção e imunidade dada por Deus aos seus ungidos. Ir contra eles seria ir contra o próprio Deus.

Mas, será que é isto mesmo que a Bíblia ensina?

A expressão “ungido do Senhor” usada na Bíblia em referência aos reis de Israel se deve ao fato de que os mesmos eram oficialmente escolhidos e designados por Deus para ocupar o cargo mediante a unção feita por um juiz ou profeta. Na ocasião, era derramado óleo sobre sua cabeça para separá-lo para o cargo. Foi o que Samuel fez com Saul (1Sam 10:1) e depois com Davi (1Sam 16:13).

A razão pela qual Davi não queria matar Saul era porque reconhecia que ele, mesmo de forma indigna, ocupava um cargo designado por Deus. Davi não queria ser culpado de matar aquele que havia recebido a unção real.

Mas, o que não se pode ignorar é que este respeito pela vida do rei não impediu Davi de confrontar Saul e acusá-lo de injustiça e perversidade em persegui-lo sem causa (1Sam 24:15). Davi não iria matá-lo, mas invocou a Deus como juiz contra Saul, diante de todo o exército de Israel, e pediu abertamente a Deus que castigasse Saul, vingando a ele, Davi (1Sam 24:12). Davi também dizia a seus aliados que a hora de Saul estava por chegar, quando o próprio Deus haveria de matá-lo por seus pecados (1Sam 26:9-10).

O Salmo 18 é atribuído a Davi, que o teria composto “no dia em que o Senhor o livrou de todos os seus inimigos e das mãos de Saul”. Não podemos ter plena certeza da veracidade deste cabeçalho, mas existe a grande possibilidade de que reflita o exato momento histórico em que foi composto. Sendo assim, o que vemos é Davi compondo um salmo de gratidão a Deus por tê-lo livrado do “homem violento” (Sl 18:48), por ter tomado vingança dos que o perseguiam (Sl 18:47).

Em resumo, Davi não queria ser aquele que haveria de matar o ímpio rei Saul pelo fato do mesmo ter sido ungido com óleo pelo profeta Samuel para ser rei de Israel. Isto, todavia, não impediu Davi de enfrentá-lo, confrontá-lo, invocar o juízo e a vingança de Deus contra ele, e entregá-lo nas mãos do Senhor para que ao seu tempo o castigasse devidamente por seus pecados.

O que não entendo é como, então, alguém pode tomar a história de Davi se recusando a matar Saul, por ser o ungido do Senhor, como base para este estranho conceito de que não se pode questionar, confrontar, contraditar, discordar e mesmo enfrentar com firmeza pessoas que ocupam posição de autoridade nas igrejas quando os mesmos se tornam repreensíveis na doutrina e na prática.

Não há dúvida que nossos líderes espirituais merecem todo nosso respeito e confiança, e que devemos acatar a autoridade deles – enquanto, é claro, eles estiverem submissos à Palavra de Deus, pregando a verdade e andando de maneira digna, honesta e verdadeira. Quando se tornam repreensíveis, devem ser corrigidos e admoestados. Paulo orienta Timóteo da seguinte maneira, no caso de presbíteros (bispos/pastores) que errarem:
"Não aceites denúncia contra presbítero, senão exclusivamente sob o depoimento de duas ou três testemunhas. Quanto aos que vivem no pecado, repreende-os na presença de todos, para que também os demais temam" (1Tim 5:19-20).

Os “que vivem no pecado”, pelo contexto, é uma referência aos presbíteros mencionados no versículo anterior. Os mesmos devem ser repreendidos publicamente.

Mas, o que impressiona mesmo é a seguinte constatação. Nunca os apóstolos de Jesus Cristo apelaram para a “imunidade da unção” quando foram acusados, perseguidos e vilipendiados pelos próprios crentes. O melhor exemplo é o do próprio apóstolo Paulo, ungido por Deus para ser apóstolo dos gentios. Quantos sofrimentos ele não passou às mãos dos crentes da igreja de Corinto, seus próprios filhos na fé! Reproduzo apenas uma passagem de sua primeira carta a eles, onde ele revela toda a ironia, veneno, maldade e sarcasmo com que os coríntios o tratavam:

"Já estais fartos, já estais ricos; chegastes a reinar sem nós; sim, tomara reinásseis para que também nós viéssemos a reinar convosco.
Porque a mim me parece que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, em último lugar, como se fôssemos condenados à morte; porque nos tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos, como a homens.
Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo; nós, fracos, e vós, fortes; vós, nobres, e nós, desprezíveis.
Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos.
Não vos escrevo estas coisas para vos envergonhar; pelo contrário, para vos admoestar como a filhos meus amados. Porque, ainda que tivésseis milhares de preceptores em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais; pois eu, pelo evangelho, vos gerei em Cristo Jesus. Admoesto-vos, portanto, a que sejais meus imitadores" (1Cor 4:8-17).

Por que é que eu não encontro nesta queixa de Paulo a repreensão, “como vocês ousam se levantar contra o ungido do Senhor?” Homens de Deus, os verdadeiros ungidos por Ele para o trabalho pastoral, não respondem às discordâncias, críticas e questionamentos calando a boca das ovelhas com “não me toque que sou ungido do Senhor,” mas com trabalho, argumentos, verdade e sinceridade.

“Não toque no ungido do Senhor” é apelação de quem não tem nem argumento e nem exemplo para dar como resposta.

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domingo, 18 de maio de 2014

Conhecendo Deus e Conhecendo a Nós Mesmos

Por João Calvino


1. Todos os homens vivem para conhecer Deus

Não se pode achar nenhum homem, em parte alguma, por mais incivilizado ou selvagem que seja, que não tenha alguma ideia de religião. Isso porque todos nós fomos criados para conhecer a majestade do nosso Criador e, ao conhecê-la, pensar nela mais elevadamente do que em qualquer outra coisa. Devemos honrar a majestade de Deus com pleno temor, amor e reverência. 

Os incrédulos só procuram apagar toda a lembrança deste senso de Deus, que está arraigado em seus corações. Deixando-os de lado, nós, que alegamos que temos uma religião pessoal, devemos trazer à mente que a presente vida não durará, e logo acabará. Devemos passá-la pensando na imortalidade.

Pois bem, não se pode achar a vida eterna e imortal em parte alguma, exceto em Deus. Segue-se, então, que o principal cuidado e interesse da nossa vida devem consistir em buscar Deus com todo o afeto dos nossos corações, e não pretender encontrar descanso e paz em lugar nenhum, senão unicamente nEle.

2. A diferença entre a religião verdadeira e a falsa

Em geral se concorda que viver sem religião é viver numa verdadeira miséria, e que em nenhum aspecto viver assim é ser melhor que os animais selvagens. Sendo assim, ninguém vai querer ser considerado como uma pessoa inteiramente indiferente a uma religião pessoal e ao conhecimento de Deus.

Entretanto, há muitas diferenças quanto à forma visível que a religião toma. Assim é porque a maioria dos homens não é afetada pelo temor de Deus. Não obstante, querendo ou não, eles não podem escapar da ideia de que existe algum ser divino cujo poder ou os exalta ou os humilha. Essa ideia sempre volta às suas mentes. Impactados pelo pensamento que lhes vem acerca de um poder tão grande, de um modo ou de outro eles o reverenciam. Isso para evitar desprezá-lo demais, temendo provocar a Sua ação contra eles. Contudo, vivendo desordenadamente e rejeitando toda forma de honestidade, eles exibem uma óbvia falta de preocupação com a maneira pela qual desconsideram o juízo de Deus.

Em acréscimo, uma vez que a sua avaliação de Deus é governada pelo tolo, impensado e presunçoso conceito formulado por sua própria mente, e não pela majestade infinita do próprio Deus, eles de fato ficam afastados do Deus verdadeiro. É por isso que, mesmo quando eles fazem reais e zelosos esforços para servir a Deus, isso tudo acaba sendo pura perda de tempo. Não é ao Deus eterno que eles estão adorando, mas, antes, aos sonhos e ilusões dos seus corações.

Bem, existe um temor que, tendo o maior desejo de fugir do juízo de Deus e não podendo fazê-lo, cresce mais que nunca. A verdadeira piedade não está nesse terror. Ela consiste, antes, de um zelo puro e verdadeiro que ama Deus como um Pai de verdade e O contempla como um Senhor de verdade; ela abraça a Sua justiça e detesta mais ofendê-lO do que morrer.

E todos aqueles que têm este zelo não se dispõem a fabricar, imprudentemente, um deus que esteja de acordo com os seus desejos. Em vez disso, eles procuram obter do próprio Deus um verdadeiro conhecimento dEle mesmo, e não o concebem como diferente do que Ele Se revela e do que Ele lhes dá a conhecer.

3. O que devemos saber acerca de Deus

Desde que a majestade de Deus está intrinsecamente acima e além do poder do entendimento humano, e simplesmente não pode ser compreendida por este, devemos adorar a Sua posição exaltada, e não investigá-la criticamente, para que não sucumbamos inteiramente sob tão grande brilho.

Por isso devemos buscar e considerar Deus em Suas obras, as quais, por essa razão, as Escrituras denominam manifestações daquilo que é invisível (Romanos 1: 19, 20; Hebreus 11: 1), porque estas obras retratam para nós o que de outra maneira não poderíamos conhecer do Senhor.

Não estamos falando aqui de especulações vãs e frívolas, coisas que manteriam as nossas mentes num estado de incerteza, mas de algo que é essencial que saibamos - algo que nos faz bem, que estabelece em nós uma piedade sólida e veraz, isto é, fé mesclada com temor.

Então, ao observarmos este universo, contemplamos com êxtase a imortalidade do nosso Deus. É esta imortalidade que dá surgimento ao princípio e à origem de tudo quanto existe. Contemplamos com êxtase a imortalidade do nosso Deus. É esta imortalidade que dá surgimento ao princípio e à origem de tudo quanto existe. Contemplamos com êxtase o Seu poder, que criou um sistema tão vasto e que ora o sustém. Contemplamos com êxtase a Sua sabedoria, que trouxe à existência uma tão grande e variegada fileira de criaturas, e que as governa de maneira finamente equilibrada e ordenada. Contemplamos com êxtase a Sua bondade, que é propriamente a razão pela qual todas estas coisas foram criadas e continuam a existir. Contemplamos com êxtase a Sua justiça, que se desdobra maravilhosamente para a proteção dos bons e para a punição dos maus. Contemplamos com êxtase a Sua misericórdia, que tão gentilmente suporta os nossos pecados tendo em vista exigir que endireitemos as nossas vidas.

É realmente muitíssimo necessário que sejamos instruídos acerca de Deus, e de fato deveríamos deixar que o universo nos fizesse isso. E ele o faria, não fora o fato de que a nossa rude insensibilidade é cega para tão grandiosa luz. Mas não pecamos somente por sermos cegos. Tão grande é a nossa perversidade que, quando ela considera as obras de Deus, não há coisa alguma na qual ela não veja um sentido mau e perverso. Ela põe abaixo toda a sabedoria do céu que, sem essa perversão, fulge tão esplendidamente ali.

Temos, pois, que vir à Palavra de Deus onde, por meio das obras de Deus, Ele é descrito muito bem para nós. Ali as Suas obras não são avaliadas segundo a perversão do nosso julgamento, mas pelo padrão da verdade eterna. Nela aprendemos que o nosso Deus, que é o único Deus, e que é eterno, é a fonte de onde emana toda vida, justiça, sabedoria, força, bondade e misericórdia. Tudo o que é bom, sem absolutamente nenhuma exceção, vem unicamente dEle. E assim é que todo louvor deve, com pleno direito, retornar a Ele.

E, embora todas estas coisas se manifestem claramente em cada parte do céu e da terra, é supremamente na Palavra de Deus que sempre entendemos, verdadeiramente, qual é a meta maior para a qual elas nos fazem avançar, qual é o valor delas e em que sentido as devemos entender. Então nos aprofundamos em nosso próprio ser interior e consideramos como o Senhor exibe em nós a Sua vida, a Sua sabedoria e o Seu poder, e como Ele exerce para conosco a Sua justiça, a Sua bondade e a Sua generosidade.

4. O que devemos saber acerca do homem

No princípio, o homem foi formado à imagem e semelhança de Deus, para que admirasse o seu Criador na dignidade da qual Deus tão nobremente o investira, e o honrasse com a adequada gratidão.

Mas o homem, confiando na enorme excelência da sua natureza e esquecendo de onde viera e por quem continuava a existir, empenhou-se em exaltar-se independentemente do Senhor. Por isso teve que ser despojado de todos os dons de Deus dos quais estultamente se orgulhara, a fim de que, privado de toda glória, conhecesse este Deus que o enriquecera tanto com o Seus generosos dons e que ele se atreveu a desprezar.

Por essa causa, todos nós - que devemos a nossa origem aos descendentes de Adão, e em quem a semelhança com Deus foi apagada - somos carne oriunda de carne. Sim, pois, apesar de sermos constituídos de alma e corpo, nuca sentimos nada senão a carne. O resultado é que, seja qual for o aspecto do homem pelo qual o observemos, é-nos impossível ver nele outra coisa além daquilo que é impuro, irreverente e abominável para Deus. Porquanto a sabedoria do homem, cega e mergulhada em numerosos erros, posta-se contra a sabedoria de Deus; a vontade, iníqua e cheia de afetos corruptos, odeia a justiça de Deus mais do que qualquer outra coisa; e o poder humano, incapaz de qualquer bem, seja este qual for, inclina-se desenfreadamente para a iniquidade.

5. O livre-arbítrio

As Escrituras asseveram muitas vezes que o homem é escravo do pecado. O que isso significa é que sua mente acha-se tão longe da justiça de Deus que só pensa, deseja e empreende o que é mau, perverso, iníquo e sujo; pois o coração, cheio do veneno do pecado, não pode emitir nada senão frutos do pecado.

Todavia, não devemos pensar que existe uma imperiosa necessidade impelindo o homem a pecar. Ele peca com pleno acordo da sua vontade, e ele o faz avidamente, seguindo suas próprias inclinações.

A corrupção do seu coração indica que o homem tem forte e persistente ódio a toda a justiça de Deus. Acresce que ele se vota a toda espécie de mal. Por causa disso se diz que ele não tem livre poder de escolha entre o bem e o mal - não tem o chamado livre-arbítrio.

6. O pecado e a morte

Nas Escrituras, pecado significa tanto aquela versão da natureza humana que é a fonte de todo erro e vício, como os maus desejos que daí nascem, e também os atos injustos e vergonhosos que brotam desses desejos: homicídios, roubos, adultérios e outras coisas do gênero.

Todos nós, então, pecadores que somos desde o ventre de nossa mãe, nascemos expostos à ira e à retribuição de Deus.

Tornando-nos adultos, aumentamos sobre nós - mais pesadamente - o juízo de Deus.

Finalmente, no transcurso de toda a nossa vida, aceleramos os passos para a morte.

Pois não há dúvida de que a justiça de Deus acha toda iniquidade repugnante. Que podemos esperar, então, da face de Deus - nós, pessoas miseráveis, sobrecarregadas por tão grande peso do pecado e corrompidas por inumeráveis impurezas - senão que a Sua justa indignação com toda a certeza nos vai fazer corar de vergonha?

Temos necessidade de conhecer esta verdade, muito embora ela ponha abaixo o homem pelo terror e o esmague pelo desespero. Despojados da nossa justiça própria, escoimados de toda a nossa confiança em nossas forças, distanciados de toda a esperança de sequer ter vida, o entendimento da nossa própria pobreza, miséria e desgraça dessa forma nos ensina a prostrar-nos diante do Senhor. Mas, reconhecendo a nossa iniquidade, a nossa falta de poder e a nossa ruína, aprendemos a dar-lhe toda a glória por Sua santidade, por Seu poder e por Sua obra de salvação.

7. Como somos conduzidos à salvação e à vida

Este conhecimento de nós mesmos, se entrou realmente em nossos corações, mostra-nos a nossa nulidade e, por seu intermédio, o caminho para o verdadeiro conhecimento de Deus é facilitado para nós. E o Deus de quem estamos falando já abriu para nós, digamos assim, uma primeira porta para o seu reino quando destruiu estas duas pragas medonhas: o sentimento de segurança quando defrontados por Sua retribuição, e uma falsa confiança em nós mesmos. Pois é depois disso que começamos a elevar os nossos olhos para o céu, olhos anteriormente fitos e fixos na terra. E nós, antes acostumados a buscar descanso em nós mesmos, anelamos pelo Senhor.

E também, por outro lado, embora a nossa iniquidade mereça algo inteiramente diferente, este Pai misericordioso, por Sua estupenda bondade, revela-se então voluntariamente a nós, que dessa forma nos sentimos aflitos e abatidos pelo medo. E, fazendo uso desse meios, que Ele sabe ser úteis para nós, em nossa fraqueza Ele nos chama de volta do rumo errado para o caminho certo, da morte para a vida, da ruína para a salvação, do domínio do diabo para o Seu próprio domínio.

A todos aqueles a quem Lhe apraz restabelecer como herdeiros da vida eterna o Senhor ordenou, como primeiro passo, que sejam afligidos em sua consciência, curvem-se sob o peso dos seus pecados e passem a viver no temor do Seu nome. Portanto, para começar, Ele nos expõe e Sua Lei, a qual nos conduz a esse estado.

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Fonte: João Calvino, A Verdade Para Todos os Tempos, PES, pp. 13-22.
Divulgação: Púlpito Reformado

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Série: Os Atributos de Deus - A Presciência de Deus [4/17]

Por Arthur. W. Pink


Que controvérsias têm sido engendradas por este assunto no passado! Mas que verdade das Escrituras Sagradas existe que não se tenha tornado em ocasião para batalhas teológicas e eclesiásticas? A deidade de Cristo, Seu nascimento virginal, Sua morte expiatória, Seu segundo advento; a justificação do crente, sua santificação, sua segurança; a Igreja, sua organização, oficiais e disciplina; o batismo, a ceia do Senhor, e uma porção doutras preciosas verdades que poderiam ser mencionadas. Contudo, as controvérsias sustentadas não fecharam a boca dos fiéis servos de Deus; então, por que deveríamos evitar a disputada questão da presciência de Deus porque, com efeito, há alguns que nos acusarão de fomentar contendas? Que outros se envolvam em contendas, se quiserem; nosso dever é dar testemunho segundo a luz a nós concedida.

Há duas coisas referentes à presciência de Deus que muitos ignoram: o significado do termo e o seu escopo bíblico. Visto que esta ignorância é tão amplamente generalizada, é fácil aos pregadores e mestres impingir perversões deste assunto, até mesmo ao povo de Deus. Só há uma salvaguarda contra o erro: estar firme na fé. Para isso, é preciso fazer devoto e diligente estudo, e receber com singeleza a Palavra de Deus infundida. Só então ficamos fortalecidos contra as investidas dos que nos atacam. Hoje em dia existem os que fazem mau uso desta verdade, com o fim de desacreditar e negar a absoluta soberania de Deus na salvação dos pecadores. Assim como os seguidores da alta crítica repudiam a divina inspiração das Escrituras e os evolucionistas a obra de Deus na criação, alguns mestres pseudo-bíblicos andam pervertendo a presciência de Deus com o fim de pôr de lado a Sua incondicional eleição para a vida eterna.

Quando se expõe o solene e bendito tema da preordenação divina, e o da eterna escolha feita por Deus de algumas pessoas para serem amoldadas à imagem do Seu Filho, o diabo envia alguém para argumentar que a eleição se baseia na presciência de Deus, e esta “presciência” é interpretada no sentido de que Deus previu que alguns seriam mais dóceis que outros, que responderiam mais prontamente aos esforços do Espírito e que, visto que Deus sabia que eles creriam , por conseguinte, predestinou-os para a salvação. Mas tal declaração é radicalmente errônea. Repudia a verdade da depravação total, pois defende que há algo bom em alguns homens, tira a independência de Deus, pois faz com que os Seus decretos se apoiem naquilo que Ele descobre na criatura. Vira completamente ao avesso as coisas, porquanto ao dizer que Deus previu que certos pecadores creriam em Cristo e, por isso, predestinou-os para a salvação, é o inverso da verdade. As Escrituras afirmam que Deus, em Sua soberania, escolheu alguns para serem recipientes de Seus distinguidos favores (Atos 13:48) e, portanto, determinou conferir-lhes o dom da fé. A falsa teologia faz do conhecimento prévio que Deus tem da nossa fé a causa da eleição para a salvação, ao passo que a eleição de Deus é a causa , e a nossa fé em Cristo, o efeito .

Antes de continuar discorrendo sobre este tema, tão erroneamente interpretado, façamos uma pausa para definir os nossos termos. Que se quer dizer por “presciência”? “Conhecer de antemão”, é a pronta resposta de muitos. Mas não devemos tirar conclusões precipitadas, nem tampouco apelar para o dicionário do vernáculo como o supremo tribunal de recursos, pois não se trata de uma questão de etimologia do termo empregado. O que é preciso é descobrir como a palavra é empregada nas Escrituras. O emprego que o Espírito Santo faz de uma expressão sempre define o seu significado e escopo. Deixar de aplicar esta regra simples tem causado muita confusão e erro. Muitíssimas pessoas presumem que já sabem o sentido de certa palavra empregada nas Escrituras, pelo que negligenciam provar as suas pressuposições por meio de uma concordância. Ampliemos este ponto.

Tomemos a palavra “carne”. Seu significado parece tão óbvio, que muitos achariam perda de tempo examinar as suas várias significações nas Escrituras. Depressa se presume que a palavra é sinônima de corpo físico e, assim, não se faz pesquisa nenhuma. Mas, de fato, nas Escrituras “carne” muitas vezes inclui muito mais que a ideia de corpo. Tudo que o termo abrange, só pode ser verificado por uma diligente comparação de cada passagem em que ocorre e pelo estudo de cada contexto, separadamente.

Tomemos a palavra “mundo”. O leitor comum da Bíblia imagina que esta palavra equivale a “raça humana” e, conseqüentemente, muitas passagens que contêm o termo são interpretadas erroneamente. Tomemos a palavra “imortalidade”. Certamente esta não requer estudo! É óbvio que se refere à indestrutibilidade da alma. Ah, meu leitor, é uma tolice e um erro fazer qualquer suposição, quando se trata da Palavra de Deus. Se o leitor se der ao trabalho de examinar cuidadosamente cada passagem em que se acham “mortal” e “imortal”, verá que estas palavras nunca são aplicadas à alma, porém sempre ao corpo.

Pois bem, o que acabamos de dizer sobre “carne”, “mundo”, e “imortalidade”, aplica-se com igual força aos termos “conhecer” e “pré-conhecer”. Em vez de imaginar que estas palavras não significam mais que simples cognição, é preciso ver que as diferentes passagens em que elas ocorrem exigem ponderado e cuidadoso exame. A palavra “presciência” (pré-conhecimento) não se acha no Velho Testamento. Mas “conhecer” (ou “saber”) ocorre ali muitas vezes. Quando esse termo é empregado com referência a Deus, com freqüência significa considerar com favor, denotando não mera cognição, mas sim afeição pelo objeto em vista. “... te conheço por nome” (Êxodo 33:17). “Rebeldes fostes contra o Senhor desde o dia em que vos conheci ” (Deuteronômio 9:24). “Antes que te formasse no ventre te conheci ... “ (Jeremias 1:5). “... constituíram príncipes, mas eu não o soube ...” (Oséias 8:4). “De todas as famílias da terra a vós somente conheci ...” (Amos 3:2). Nestas passagens, “conheci” significa amei ou designei .

Assim também a palavra “conhecer” é empregada muitas vezes no Novo Testamento no mesmo sentido do Velho Testamento. “E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci ...” (Mateus 7:23). “Eu sou o bom Pastor, e conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido ” (João 10:14). “Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele” (1 Coríntios 8:3). “... o Senhor conhece os que são seus...” (2 Timóteo 2:19).

Pois bem, a palavra “presciência”, como é empregada no Novo Testamento, é menos ambígua que a sua forma simples, “conhecer”. Se cada passagem em que ela ocorre for estudada cuidadosamente, ver-se-á que é discutível se alguma vez se refere apenas à percepção de eventos que ainda estão por acontecer. O fato é que “presciência” nunca é empregada nas Escrituras em relação a eventos ou ações; em lugar disso, sempre se refere a pessoas . Pessoas é que Deus declara que “de antemão conheceu” (pré-conheceu), não as ações dessas pessoas. Para provar isto, citaremos agora cada uma das passagens em que se acha esta expressão ou sua equivalente.

A primeira é Atos 2:23. Lemos ali: “A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, tomando-o vós, o crucificastes e matastes pelas mãos de injustos”. Se se der cuidadosa atenção à terminologia deste versículo, ver-se-á que o apóstolo não estava falando do conhecimento antecipado que Deus tinha do ato da crucificação, mas sim da Pessoa crucificada: “A este (Cristo) que vos foi entregue”, etc.

A segunda é Romanos 8:29-30. “Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho; a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a estes também chamou”, etc. Considere-se bem o pronome aqui empregado. Não se refere a algo , mas a pessoas , que ele conheceu, de antemão. O que se tem em vista não é a submissão da vontade, nem a fé do coração, mas as pessoas mesmas.

“Deus não rejeitou o seu povo, que antes conheceu...” (Romanos 11:2). Uma vez mais a clara referência é a pessoas, e somente a pessoas.

A última citação é de 1 Pedro 1:2: “Eleitos segundo a presciência de Deus Pai...” Quem são “eleitos segundo a presciência de Deus Pai”? O versículo anterior nô-lo diz: a referência é aos “estrangeiros dispersos”, isto é, a Diáspora, a Dispersão, os judeus crentes. Portanto, aqui também a referência é a pessoas, e não aos seus atos previstos.

Ora, em vista destas passagens (e não há outras mais), que base bíblica há para alguém dizer que Deus “pré-conheceu” os atos de certas pessoas, a saber, o seu “arrependimento e fé”, e que devido a esses atos Ele as elegeu para a salvação? A resposta é: absolutamente nenhuma. As Escrituras nunca falam de arrependimento e fé como tendo sido previsto ou pré-conhecido por Deus. Na verdade, Ele sabia desde toda a eternidade que certas pessoas se arrependeriam e creriam ; entretanto, não é a isto que as Escrituras se referem como objeto da “presciência” de Deus. Esta palavra se refere uniformemente ao pré-conhecimento de pessoas; portanto, conservemos “... o modelo das sãs palavras. . .” (2 Timóteo 1:13).

Outra coisa para a qual desejamos chamar particularmente a atenção é que as duas primeiras passagens acima citadas mostram com clareza e ensinam implicitamente que a “presciência” de Deus não é causativa , pelo contrário, alguma outra realidade está por trás dela e a precede, e essa realidade é o Seu decreto soberano . Cristo “... foi entregue pelo (1) determinado conselho e (2) presciência de Deus” (Atos 2:23). Seu “conselho” ou decreto foi a base da Sua presciência. Assim também em Romanos 8:29. Esse versículo começa com a palavra “porque”, conjunção que nos leva a examinar o que o precede imediatamente. E o que diz o versículo anterior? “... todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles... que são chamados por seu decreto”. Assim é que a “presciência” de Deus baseia-se em Seu decreto (ver Salmo 2:7).

Deus conhece de antemão o que será porque Ele decretou o que há de ser . Portanto, afirmar que Deus elege pessoas porque as pré-conhece é inverter a ordem das Escrituras, é pôr o carro na frente dos bois. A verdade é esta: Ele as “pré-conhece” porque as elegeu. Isto retira da criatura a base ou causa da eleição, e a coloca na soberana vontade de Deus. Deus Se propôs eleger certas pessoas, não por haver nelas ou por proceder delas alguma coisa boa, quer concretizada quer prevista, mas unicamente por Seu beneplácito. Quanto ao por que Ele escolheu os que escolheu, não sabemos, e só podemos dizer: “Sim, ó Pai, porque assim te aprouve” (Mateus 11 :26). A verdade patente em Romanos 8:29 é que Deus, antes da fundação do mundo, elegeu certos pecadores e os destinou para a salvação (2 Tessalonicenses 2:13). Isto se vê com clareza nas palavras finais do versículo: “... os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho”, etc. Deus não predestinou aqueles que “dantes conheceu” sabendo que eram “conformes”, mas, ao contrário, aqueles que Ele “dantes conheceu” (isto é, que Ele amou e elegeu), “predestinou para serem conformes”. Sua conformidade a Cristo não é a causa, mas o efeito da presciência e predestinação divina.

Deus não elegeu nenhum pecador porque previu que creria, pela razão simples, mas suficiente, de que nenhum pecador jamais crê enquanto Deus não lhe dá fé; exatamente como nenhum homem pode ver antes que Deus lhe dê a vista. A vista é dom de Deus, e ver é a conseqüência do uso do Seu dom. Assim também a fé é dom de Deus (Efésios 2:8-9), e crer é a conseqüência do uso deste Seu dom. Se fosse verdade que Deus elegeu alguns para serem salvos porque no devido tempo eles creriam, isso tornaria o ato de crer num ato meritório e, nesse caso, o pecador salvo teria motivo para gloriar-se, o que as Escrituras negam enfaticamente (veja Efésios 2:9).

Certamente a Palavra de Deus é bastante clara ao ensinar que crer não é um ato meritório. Afirma ela que os cristãos vieram a crer “pela graça” (Atos 18:27). Se, pois, eles vieram a crer “pela graça”, absolutamente não há nada de meritório em “crer”, e, se não há nada de meritório nisso, não poderia ser o motivo ou causa que levou Deus a escolhê-los. Não; a escolha feita por Deus não procede de coisa nenhuma existente em nós, ou que de nós provenha, mas unicamente da Sua soberana boa vontade.

Mais uma vez, em Romanos 11:5 lemos sobre “... um resto, segundo a eleição da graça”. Eis aí, suficientemente claro; a eleição mesma é “da graça”, e a graça é favor imerecido, coisa a que não tínhamos direito nenhum diante de Deus.

Vê-se, pois, como é importante para nós, termos idéias claras e bíblicas sobre a “presciência” de Deus. Os conceitos errôneos sobre ela, inevitavelmente levam a ideias que desonram em extremo a Deus. A noção popular da presciência divina é inteiramente inadequada. Deus não somente conheceu o fim desde o princípio, mas planejou, fixou, predestinou tudo desde o princípio. E, como a causa está ligada ao efeito, assim o propósito de Deus é o fundamento da Sua presciência. Se, pois, o leitor é um cristão verdadeiro, é porque Deus o escolheu em Cristo antes da fundação do mundo (Efésios 1:4), e o fez não porque previu que você creria , mas simplesmente porque Lhe agradou fazê-lo; você foi escolhido apesar da tua incredulidade natural. Sendo assim, toda a glória e louvor pertence a Deus somente. Você não tem base nenhuma para arrogar-se crédito algum. Você creu “pela graça” (Atos 15:27), e isso porque a tua própria eleição foi “da graça” (Romanos 11:5).

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Fonte: Arthur W. Pink, Os Atributos de Deus, 1990, PES.