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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Série: Os Atributos de Deus - A Onisciência de Deus [3/17]

Por Arthur W. Pink


Deus é onisciente. Ele sabe todas as coisas — todas as coisas possíveis, todas as coisas reais, todos os eventos, conhece todas as criaturas, todo o passado, presente e futuro. Conhece perfeitamente todos os pormenores da vida de todos os seres que há no céu, na terra e no inferno. "... conhece o que está em tre­vas..." (Daniel 2:22). Nada escapa à Sua atenção, nada pode ser escondido dEle, não há nada que Ele esqueça! Bem podemos dizer com o salmista: "Tal ciência é para mim maravilhosíssima; tão alta que não a posso atingir" (Salmo 139:6). Seu conhecimen­to é perfeito. Ele jamais erra, nem muda, nem passa por alto coisa alguma. "E não há criatura alguma encoberta diante dele: antes todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele com quem temos de tratar" (Hebreus 4:13). Sim, tal é o Deus a quem temos de prestar contas!
"Tu conheces o meu assentar e o meu levantar: de longe entendes o meu pensamento. Cercas o meu andar, e o meu deitar; e conheces todos os meus caminhos. Sem que haja uma palavra na minha língua, eis que, ó Senhor, tudo conheces" (Salmo 139:2-4). Que maravilhoso Ser é o Deus das Escrituras! Cada um dos Seus gloriosos atributos deveria torná-lo honorável à nossa apreciação. A compreensão da Sua onisciência deveria inclinar-nos diante dEle em adoração. Contudo, quão pouco meditamos nesta perfeição divina! Será por que o só pensar nela nos enche de inquietação?
Quão solene é este fato: nada se pode esconder de Deus! "... quanto às cousas que vos sobem ao espírito, eu as conheço" (Ezequiel 11:5). Embora sendo Ele invisível para nós, não o so­mos para Ele. Nem as trevas da noite, nem as mais espessas cor­tinas, nem o calabouço mais profundo podem ocultar o pecador dos olhos do Onisciente. As árvores do jardim não puderam ocul­tar os nossos primeiros pais. Nenhum olho humano viu Caim assassinar seu irmão, mas o seu Criador testemunhou o crime. Sara pôde rir zombeteira, oculta em sua tenda, mas foi ouvida por Jeová. Acã roubou uma cunha de ouro e a escondeu cuidado­samente no solo, mas Deus a trouxe à luz. Davi escondeu a sua iniquidade a duras penas, mas pouco depois o Deus que tudo vê enviou-lhe um dos Seus servos para dizer-lhe: "Tu és o homem!" E tanto ao escritor como ao leitor se diz: "... sabei que o vosso pecado vos há de achar" (Números 32:23).
Os homens despojariam a Deidade da Sua onisciência, se pu­dessem — prova de que "... a inclinação da carne é inimizade contra Deus... " (Romanos 8:7). Os ímpios odeiam esta perfeição divina com a mesma naturalidade com que são compelidos a reco­nhecê-la. Gostariam que não houvesse nenhuma Testemunha dos seus pecados, nenhum Examinador dos seus corações, nenhum Juiz dos seus feitos. Procuram banir tal Deus dos seus pensamentos: "E não dizem no seu coração que eu me lembro de toda a sua mal­dade..." (Oséias 7:2). Como é solene o Salmo 90:8! Boa razão tem todo o que rejeita a Cristo para tremer diante destas pala­vras: "Diante de ti puseste as nossas iniquidades: os nossos pe­cados ocultos à luz do teu rosto".
Mas a onisciência de Deus é uma verdade cheia de consolação para o crente. Em tempos de aflição, ele diz como Jó: "Mas ele sabe o meu caminho..." (23:10). Pode ser profundamente misterioso para mim, inteiramente incompreensível para os meus amigos, mas "Ele sabe"! Em tempos de fadiga e fraqueza, os crentes podem assegurar-se de que Deus " ... conhece a nossa estru­tura; lembra-se de que somos pó" (Salmo 103:14). Em tempos de dúvida e vacilação, eles apelam para este atributo, dizendo: "Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me, e conhe­ce os meus pensamentos. E vê se ha em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno" (Salmo 139:23-24). Em tempos de triste fracasso, quando os nossos corações foram traídos por nossos atos; quando os nossos feitos repudiaram a nossa devo­ção, e nos é feita a penetrante pergunta, "Amas-me?", dizemos, como o fez Pedro: "... Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo..." (João 21:17).
Aí temos estímulo para orar. Não há motivo para temer que as petições do justo não serão ouvidas, ou que os seus suspiros e lágrimas não serão notados por Deus, visto que Ele conhece os pensamentos e as intenções do coração. Não há perigo de que um santo seja passado por alto no meio da multidão de suplicantes que todo dia e toda hora apresentam as suas variadas petições, pois a Mente infinita é capaz de prestar a mesma atenção a mul­tidões como se apenas um indivíduo estivesse procurando obter a Sua atenção. Assim também a falta de linguagem apropriada, a incapacidade de dar expressão ao anseio mais profundo da nossa alma, não comprometerá as nossas orações, pois, "... será que antes que clamem, eu responderei: estando eles ainda falando, eu os ouvirei" (Isaías 65:24).
"Grande é o nosso Senhor, e de grande poder; o seu enten­dimento é infinito" (Salmo 147:5). Deus não somente sabe tudo que aconteceu no passado em todos os rincões dos Seus vastos domínios, e não apenas conhece por completo tudo o que agora está ocorrendo no universo inteiro, mas também é perfeito conhe­cedor de todos os acontecimentos, do menor ao maior deles, que haverão de suceder nas eras vindouras. O conhecimento que Deus tem do futuro é tão completo como o Seu conhecimento do passado e do presente, e isso porque o futuro depende totalmente dEle próprio. Se fosse possível ocorrer alguma coisa sem a ação direta de Deus ou sem a Sua permissão, então aquilo seria independente dEle, e Ele deixaria, de pronto, de ser Supremo.
Ora, o conhecimento divino do futuro não é mera abstração, mas é algo inteiramente ligado ao Seu propósito, o qual o acom­panha. Deus mesmo planejou tudo que há de ser, e o que Ele planejou terá que ser efetuado. Como a Sua Palavra infalível afirma, "... segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra: não há quem possa estorvar a sua mão e lhe diga: Que fazes?" (Daniel 4:35). E de novo: "Muitos propósitos há no coração do homem, mas o conselho do Senhor permanecerá" (Provérbios 19:21). Como a sabedoria e o poder de Deus são igualmente infinitos, tudo que Deus projetou está absolutamente garantido. (Que os conselhos divinos deixem de cumprir-se, é tão impossível como seria para Deus, três vezes santo, mentir.
Quanto à realização dos conselhos de Deus relativos ao fu­turo, nada é incerto. Nenhum dos Seus decretos é deixado na dependência das criaturas, nem das causas secundárias. Não há evento futuro que seja apenas uma possibilidade, isto é, coisa que pode ou não vir a acontecer. "Conhecidas por Deus são todas as suas obras desde a eternidade" (Atos 15:18). O que quer que Deus tenha decretado é inexoravelmente certo, pois nEle "... não há mudança nem sombra de variação" (Tiago 1:17). Portanto, "logo no início do livro que nos desvenda tantas coisas do futuro, são nos ditas "... as coisas que brevemente devem acontecer..." (Apocalipse 1:1).
O perfeito conhecimento de Deus é exemplificado e ilustrado em todas as profecias registradas em Sua Palavra. No Velho Tes­tamento acham-se vintenas de predições concernentes à história de Israel, as quais se cumpriram até o mínimo pormenor, séculos depois de terem sido feitas. Há também vintenas doutras mais, predizendo a carreira de Cristo na terra, e também se cumpriram literal e perfeitamente. Tais profecias só poderiam ter sido dadas por Alguém que conhecesse o fim desde o princípio, e cujo conhecimento repousasse na incondicional certeza da realização de tudo quanto fosse predito..De modo semelhante, o Velho e o Novo Testamento contêm muitos outros anúncios ainda futuros, e estes também "tem que cumprir-se" (Lucas 24:44, na versão usada pelo autor), tem que cumprir-se porque foram preditos por Aquele que os decretou.
Contudo, deve-se assinalar que, nem o conhecimento de Deus, nem a Sua cognição do futuro, considerados simplesmente em si mesmos, são causativos. Nada jamais aconteceu, nem acontecerá, apenas porque Deus o sabia. A causa de todas as coisas é a vontade de Deus. O homem que realmente crê nas Escrituras sabe de antemão que as estações do ano continuarão a seguir-se suces­sivamente com infalível regularidade até o fim da história da terra (Gênesis 8:22); todavia, não é o seu conhecimento a causa da referida sucessão de eventos. Assim, o conhecimento de Deus não nasce das coisas porque elas existem ou existirão, mas porque Ele ordenou que existissem. Deus sabia da crucificação do Seu Filho e a predisse muitas centenas de anos antes que Ele Se encarnasse, e isto, porque, segundo o propósito divino, Ele era um Cordeiro morto desde a fundação do mundo. Portanto, lemos que Ele "... foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus..." (Atos 2:23).
Uma ou duas palavras, à guisa de aplicação. O conhecimen­to infinito de Deus deveria encher-nos de assombro. Quão exal­tado é o Senhor, acima do mais sábio dos homens! Nenhum de nós sabe o que o dia nos trará, mas todo o futuro está aberto ao Seu olhar onisciente. O conhecimento infinito de Deus deveria encher-nos de santa reverência. Nada do que fazemos, dizemos ou mesmo pensamos, escapa à percepção dAquele a quem teremos que prestar contas: "Os olhos do Senhor estão em todo o lugar, contemplando os maus e os bons" (Provérbios 15:3). Que freio seria para nós, se meditássemos nisso mais freqüentemente! Em vez de agir descuidadamente, diríamos como Hagar: "Tu, ó Deus, me vês" (Gênesis 16:13) — segundo a versão utilizada pelo autor. A capacidade de compreensão que o conhecimento infinito de Deus tem deveria encher o cristão de adoração. Minha vida inteira esteve aberta ante os Seus olhos desde o princípio! Ele previu todas as minhas quedas, todos os meus pecados, todas as minhas reincidências; todavia, fixou em mim o Seu coração. Como a percepção disto deveria fazer-me prostrar em admiração e ado­ração diante dEle!

Fonte: Arthur W. Pink, Os Atributos de Deus, 1990, PES.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A Doutrina da Ira de Deus

Por Kevin DeYoung

Se os pregadores do passado em alguns momentos sofreram de uma fascinação doentia pelo inferno, os ministros de hoje, incluindo não poucos líderes emergentes, são culpados de uma ambivalência indevida sobre o assunto. [...] É certo que não existe espaço para leviandade no que se refere à ira de Deus, mas será que não há lugar para uma advertência apaixonada e viva? Não é bíblico deixar para trás o agnosticismo em relação ao inferno e implorar às pessoas em favor de Cristo, dizendo “reconciliem-se com Deus” (2Co 5:20)? Será que nosso evangelismo se degenera, nossa pregação carece de autoridade e nossas congregações perdem foco porque não temos a doutrina do inferno bem clara diante de nós para colocar nossa face como seixo na direção de Jerusalém?
Precisamos da doutrina da punição eterna. Por repetidas vezes no Novo Testamento descobrimos que entender a justiça divina é essencial para nossa santificação. Crer no julgamento de Deus de fato nos ajuda a ser mais semelhantes a Jesus. Em resumo, precisamos da doutrina da ira de Deus.
Primeiro, precisamos da ira de Deus para nos mantermos honestos em relação ao evangelismo. Paulo discutiu com Félix sobre justiça, domínio próprio e juízo vindouro (At 24:25). Precisamos fazer o mesmo. Sem a doutrina do inferno, nossa tendência é nos envolvermos em todo tipo de coisas importantes que honram a Deus, mas negligenciarmos aquilo que importa para toda a eternidade, que é insistir com os pecadores a que se reconciliem com Deus.
Segundo, precisamos da ira de Deus para perdoar nossos inimigos. A razão de podermos abrir mão de pagar o mal com o mal é que confiamos na promessa do Senhor, segundo a qual ele retribuirá os ímpios. A lógica de Paulo é sadia. “Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito: ‘Minha é a vingança; eu retribuirei’” (Rm 12:19). A única maneira de deixar para trás nossas feridas mais profundas e as traições que sofremos é descansar seguros de que todo pecado contra nós foi pago na cruz ou será punido no inferno. Não precisamos buscar justiça com as próprias mãos, pois Deus será nosso justo juiz.
Terceiro, precisamos da ira de Deus para podermos arriscar nossa vida em favor de Jesus. A devoção radical necessária para sofrer pela palavra de Deus e o testemunho de Jesus vem, em parte, da segurança que temos de que Deus nos vindicará no final. É por isso que os mártires embaixo do trono clamarão: “Até quando, ó Soberano, santo e verdadeiro, esperarás para julgar os habitantes da terra e vingar o nosso sangue?” (Ap 6:10). Eles pagaram o preço derradeiro por sua fé, mas seus clamores manchados de sangue serão respondidos um dia. Sua inocência será estabelecida quando Deus finalmente julgar os que os perseguiram.
Quarto, precisamos da ira de Deus para viver uma vida santa. Paulo nos adverte de que Deus não pode ser zombado. Colheremos aquilo que plantarmos. Somos levados a viver uma vida de pureza e boas obras em função da recompensa prometida pela obediência e a maldição prometida pela desobediência. Se vivermos para agradar à carne, colheremos de Deus a destruição. Mas, se vivermos para agradar ao Espírito, colheremos a vida eterna (Gl 6:6-7). Às vezes os ministros hesitam diante da ideia de motivar pessoas com a ameaça da punição eterna. Mas não foi essa a abordagem de Jesus quando ele disse “não tenham medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Antes, tenham medo daquele que pode destruir tanto a alma como o corpo no inferno” (Mt 10:28)? Às vezes precisamos literalmente arrancar o inferno das pessoas por meio do medo.
Quinto, precisamos da ira de Deus para entender o significado da misericórdia. Sem a ira divina, a misericórdia divina não tem sentido. Somente quando sabemos que éramos merecedores da ira (Ef 2:3), que já estávamos condenados (Jo 3:18) e que enfrentaríamos o inferno como inimigos de Deus, não fosse a misericórdia imerecida (Rm 5:10), é que podemos cantar de todo o coração “preciosa a graça de Jesus, que um dia me salvou”.
Sexto, precisamos da ira de Deus para entender como o céu será maravilhoso. Jonathan Edwards é famoso (ou mal-afamado) por seu sermão “Pecadores nas mãos de um Deus irado”. Ele ainda é lido nas aulas de literatura americana, normalmente como uma caricatura do espírito puritano da Nova Inglaterra colonial. Mas poucas pessoas percebem que Edwards também pregou sermões como “O céu é um mundo de amor”. Diferentemente da maioria de nós, Edwards via em cores vívidas o terror do inferno e a beleza do céu. Não podemos ter um quadro claro de um sem o outro. É por isso que a descrição da Nova Jerusalém celestial também contém uma advertência aos covardes, aos incrédulos, aos depravados, aos assassinos, aos que cometem imoralidade sexual, aos que praticam feitiçaria, aos idólatras e aos mentirosos, cujo lugar “será no lago de fogo que arde com enxofre” (Ap 21:8). É improvável que desejemos nossa salvação final sem saber do que somos salvos.
Sétimo, precisamos da ira de Deus para sermos motivados a cuidar de nossos irmãos pobres. Todos nós conhecemos a afirmação de que os cristãos estão de tal modo voltados para o céu que não prestam para nada na terra. A ideia é que, se tudo o que pensarmos for apenas céu e inferno, terminaremos ignorando ministérios de compaixão e justiça social. Mas que melhor impulso para a justiça social do que a sóbria advertência de Jesus de que, se deixarmos de cuidar do menor de nossos irmãos, iremos para a punição eterna? (Mt 25:31-46)? A ira de Deus é um motivador para que mostremos compaixão aos outros, pois, sem amor, como diz João, não temos a vida eterna e, se não compartilharmos nossos bens materiais com os que passam necessidades, não temos amor (1Jo 3:17).
Oitavo, precisamos da ira de Deus para nos prepararmos para a volta do Senhor. Devemos manter as lâmpadas cheias, os pavios aparados, as casas limpas, a vinha cuidada, os trabalhadores ocupados e os talentos investidos a fim de que não sejamos pegos despreparados no dia do acerto de contas. Somente quando crermos plenamente na ira iminente de Deus e tremermos diante da ideia da punição eterna é que ficaremos despertos, alertas e preparados para que Jesus venha outra vez e julgue os vivos e os mortos.

Fonte: Monergismo

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Os Perigos do Universalismo

Por Ronaldo Lidório

É da natureza humana buscar respostas aos questionamentos da mente, bem como sobre as impressões e situações da vida. Esta irremediável busca torna-se ainda mais insistente perante assuntos ligados à nossa própria existência. "De onde viemos?", "Por que somos como somos" e "O que há após a morte" são algumas perguntas repetidas em praticamente todas as 6,9 mil línguas vivas em nossos dias.


Diferentes grupos usam diferentes fontes para perseguir as respostas, e cada uma delas revela seus critérios e pressupostos. A ciência utiliza aquilo que pode ser comprovado mediante provas científicas. Como diversos assuntos (espirituais, por exemplo) não cabem na régua científica, são reputados a outras categorias. A filosofia utiliza a lógica humana para aquilo que lhe parece fazer sentido. Assim, as hipóteses são submetidas ao confronto das antíteses com a possibilidade do encontro de uma síntese que faça sentido ao assunto estudado. É o conhecido método dialético. A teologia cristã baseia-se na revelação bíblica que guia, expõe e esclarece as verdades simples e complexas da vida – e também estrutura tais verdades em doutrinas que tratam de temas específicos, além das confissões de fé.


Tratando-se de apologia cristã, apesar de teólogos usarem com liberdade outros campos de estudo (como a ciência e a filosofia) para suas abordagens, é vital que se defina qual é a fonte primária para a construção das respostas. Um teólogo reformado, que crê na Bíblia como Palavra inspirada por Deus em sua totalidade, inerrante em sua revelação e provedora de orientação para a humanidade em todas as gerações, entende que ela é a fonte de verdade e vida.

O universalismo é a crença de que todos serão salvos e o inferno não existe. Foi promovido por autores como Gerrard Winstanley, Richard Coppin e George de Benneville no século 17: portanto, não é novo. Na América do Norte, os que aderiram a essa linha teológica passaram a ser chamados de universalistas. Há até uma Igreja Universalista, que abriga tais ensinos. George Knight tornou-se o maior defensor do universalismo sob influência dos escritos de Friedrich Schleiermarcher e George MacDonald.

Quanto Rob Bell, pastor norte-americano, até pouco tempo atrás ligado à Mars Hill Bible Church, em Grandville, no estado americano do Michigan, expõe sobre suas crenças universalistas, faz uma confusa mistura de fontes – assim como outros pensadores que defendem essa abordagem teológica. Em alguns momentos, as Escrituras são usadas para justificar e trazer respostas; em assuntos mais desconfortáveis, como o pecado e o inferno, porém, a filosofia ou a ciência é escolhida para propor as soluções, mesmo que contraditórias à Palavra. É importante lembrar que escolher as partes bíblicas nas quais se deseja crer é um antigo costume do liberalismo teológico. Bell tem levado adiante a proposta por meio de carismáticas e bem articuladas palestras, além do seu livro O amor vence – Um livro sobre o céu, o inferno e o destino de todas as pessoas que já passaram pela terra, publicado no Brasil pela editora Sextante. O livro fez barulho. Bell foi entrevistado para a capa da revista Time, viu sua obra ser transformada em filme – Hellbound?, ou "Quem vai para o inferno?" – e teve seu nome entre os mais comentados no Twitter. Aqui no Brasil, ele foi entrevistado pela revista Veja, numa conversa intitulada Quem falou em céu e inferno?, e motivou sérias discussões teológicas e debates na internet. E o assunto é mesmo palpitante. O universalismo está ligado a outros movimentos como o inclusivismo – a ideia de que Deus salvará a humanidade por outros meios, além do Evangelho –; a teologia do processo, pela qual Deus conhece o futuro, mas não todo ele; e a hipercontextualização, segundo a qual Deus se revela em todas as religiões e o sincretismo religioso deve ser o alvo da fé cristã. De fato, dizer que o inferno existe é um discurso meio fora de moda.

"Você defende o inferno?" Esta foi a pergunta que ouvi, em tom confrontador, de um universitário, enquanto conversávamos sobre a salvação em Cristo. Minha resposta foi sobre minha crença em Deus e na autoridade da Bíblia, a qual nos apresenta o inferno como verdade, assim como o céu. Trata-se, então, simplesmente de aceitação da autoridade bíblica. O inferno é uma tragédia sem precedentes. Não é assunto a ser defendido com empolgação, mas reconhecido com profundo lamento. Junto à queda dos nossos pais, narrada no Gênesis, é possivelmente o assunto mais trágico e agonizante de toda a Palavra.

RELATIVISMO

As Escrituras expõem o assunto de forma abundante. Jesus nos falou sobre o "inferno de fogo" em Mateus 5.22, e admitiu a possibilidade de o corpo ser "lançado no inferno" mais adiante, no versículo 29. "Perecer no inferno" e "portas do inferno" são outras expressões de Cristo registradas no mesmo evangelho, assim como a "condenação do inferno" (Mateus 23.33). As Escrituras descrevem o inferno como "fogo inextinguível" (Marcos 9.43), lugar de "tormento" (Lucas 16.23) e "fornalha acesa" (Mateus 13.42). "Fogo eterno", lugar de "choro e ranger de dentes" e "cadeias de escuridão" são outras expressões do Novo Testamento para descrevê-lo. Já o Antigo Testamento fala sobre "angústias do inferno" (Salmo 116.3), "profundezas do inferno" (Deuteronômio 32.22) e "profundo abismo", em Isaías 14.15. Isso, sem mencionar diversas outras atribuições, parábolas e narrativas bíblicas sobre o inferno.


Apesar de sermos abundantemente alertados na Palavra sobre o inferno, não temos sobre ele detalhes. Igualmente não conseguiremos compreender de forma plena, em nossa limitação humana, a grandeza de Deus e o equilíbrio entre justiça e amor, salvação e perdição, sacrifício e perdão. As Escrituras nos revelam o que precisamos saber, a passagem de Deuteronômio 29.29 nos esclarece que "as coisas encobertas pertencem ao Senhor", enquanto que as reveladas foram dadas "a nós e nossos filhos". O texto acrescenta o propósito disso: "Para que cumpramos todas as palavras desta lei".

Infelizmente, os problemas teológicos cristãos são mais profundos do que apenas um posicionamento a favor ou contra a existência do inferno. Eles estão alicerçados nas marcas do nosso tempo, onde o homem, e não Deus, é cultuado e no qual qualquer assunto que causa desconforto é evitado. A prosperidade do homem substituiu a cruz de Cristo em diversos púlpitos. Dentre diversos fatores que influenciam e definem o pensar do homem na atualidade, dois dos principais são o relativismo e o antropocentrismo. O relativismo cultural é um conceito atraente que parte de uma premissa de tolerância e equilíbrio. Na antropologia, a grande contribuição do relativismo foi abrandar a arrogância das nações conquistadoras e gerar uma visão de tolerância, especialmente nos encontros interculturais.

Porém, apresentado em sua forma radical – cada vez mais presente na condução do pensamento da atualidade –, percebe-se que neste sistema não há valores universais, uma vez que todo valor é relativo a si mesmo. Assim, em sua compreensão, conceitos como a ética, o bem e o mal são relativos em relação à ótica de quem os observa e experimenta. Tal pensamento, dessa forma, promove uma das mais inteligentes armadilhas para o Cristianismo que se fundamenta na Palavra: diluir a linha divisória entre discordância e discriminação. Sob uma ótica relativista radical, toda discordância é vista como ato de discriminação em relação ao que é diferente. Assim, o cristão é constrangido a não expor de forma clara a sua fé.

A sociedade utiliza sua própria compreensão de cultura para justificar seus desvios; porém, nem tudo o que é cultural é puro. O relativismo ético extremado tem tentado moldar esta geração, convencendo-a de que toda prática humana é justificável desde que seja aceita por um grupo, ou seja, pelo próprio homem. Em última análise, o relativismo radical nega as trevas. Assim fazendo, torna-se desnecessária a luz e a verdade. Este é o ponto mais sutil e perigoso dessa tendência antropológica e filosófica.

CONDIÇÃO CAÍDA

A Palavra nos afirma o contrário. O Evangelho não foi enviado ao mundo por um desejo divino desconectado da realidade humana, mas como solução de Deus perante a morte da humanidade. Assim, a condição humana, caída e em trevas, além do universo quebrado – que, segundo as Escrituras, geme por restauração –, são as principais necessidades missionais para o plano de Deus. A humanidade precisa de luz. Sem nossas trevas, não seriam necessárias a cruz nem a ressurreição de Cristo. É preciso relembrar que Jesus Cristo é o cumprimento da promessa de Deus como resposta à angústia do universo caído.


O primeiro capítulo da Epístola aos Romanos nos fala sobre a separação entre Criador e criatura. No verso 18, lemos: "A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça". No verso 20, Paulo afirma que Deus se manifestou desde a criação – e, mesmo assim, continuamos impiedosos e perversos. Somos, assim, indesculpáveis. Convém notar que a expressão "ira de Deus" não se manifesta contra o ser humano, mas contra a impiedade e a perversão do homem. Deus ama o homem, mas odeia o pecado.

A sociedade hoje é uma evidência de nossa separação de Deus, tanto pela impiedade quanto pela perversidade. E é pela existência da separação (trevas) que se faz necessária a luz: a luz irradiada na cruz para salvação de todo aquele que crê ainda brilha hoje. Jesus, nossa luz, raiou e brilha em nós. Em Mateus 4.16 confirma-se o que Isaías já havia dito: "O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz; sobre os que viviam na terra da sombra da morte raiou uma luz".

Nos versículos 19 e 20 do primeiro capítulo da carta aos Romanos, Deus se manifesta através da criação. Há aqui um elemento fundamental: Deus é soberano, criador de todas as coisas, controlador do universo e detentor da autoridade sobre a nossa história. Os homens, citados no verso 18, tornam-se indesculpáveis por ser Deus revelado na criação "desde o princípio do mundo", sendo revelado tanto o "seu eterno poder" quanto "a sua própria divindade".
Portanto, perante um homem caído, existente em sua própria injustiça, impiedoso e perverso, Paulo não destaca soluções humanas, eclesiásticas ou mesmo sociais. Ele nos apresenta Deus. Na teologia paulina, a solução para o homem não é o homem, mas é Deus e sua revelação em Cristo. O apóstolo enumera alguns atos de perversão. No verso 20, ele nos fala da perversão filosófica em que os homens, mesmo perante a manifestação de um Deus que tudo criou, procuram alicerçar suas vidas com base em seus próprios pensamentos corruptíveis. No verso 23, ele aborda a perversão religiosa, manifesta na mudança da glória de Deus, incorruptível, em imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis. Isso nos remete à realidade da idolatria.

Do verso 26 em diante, Paulo fala a respeito da perversão ética e moral e menciona que o homem deixa o contato natural com a mulher, havendo até relacionamentos "homens com homens, cometendo torpeza". Ou seja, a natureza humana é pecaminosa e o homem se põe a cometer "atos inconvenientes, cheios de injustiça, malícia, avareza e maldade". Alguns desses atos pecaminosos são enumerados a seguir: inveja, homicídio, contenda, dolo, malignidade, soberba, insolência.

O homem, portanto, não é condenado por não conhecer a história bíblica; ele é condenado por não glorificar ao Senhor. Os homens não são condenados por não ouvirem a Palavra; eles são condenados, cada um, por seus pecados. O desenvolvimento do texto deixa claro que, perante semelhante quadro de escuridão e perdição, Deus se levanta e nos atrai a ele, em Cristo Jesus.

É comum ao homem caído gerar a ideia de um deus que simplesmente satisfaça aos seus anseios sem lhe confrontar. Esses deuses utilitários e manipuláveis são encontrados em abundância em toda a história da humanidade e das religiões. Biblicamente, porém, não há sentido em apresentar Deus que busca se relacionar com o homem sem expor o pecado humano e seu estado de total carência de salvação. O relativismo radical, associado ao individualismo, tem levado muitos cristãos a apresentarem o lado consolador do Evangelho, omitindo, contudo, sua realidade confrontadora. Fala-se sobre um Deus que salva o perdido, mas deixa-se de lado a realidade do estado humano de perdição. Fala-se sobre o céu, mas não sobre o inferno. Fala-se sobre a cura que alegra, mas não sobre o sofrimento que burila. Dentro dessa lógica, "pecado" tornou-se um termo politicamente incorreto e associado à descriminação do indivíduo. Paulo, porém, nos lembra que é vã qualquer tentativa de se expor o Evangelho de salvação sem a apresentação da verdade do homem caído, perdido, em trevas e com total carência da luz de Deus.

SATISFAÇÃO HUMANA x GLÓRIA DE DEUS

Já o movimento sociocultural histórico e mundial do antropocentrismo vem se delineando na pós-modernidade a partir de uma perspectiva individualista que desenvolve o hedonismo e narcisismo. Apesar dos termos repaginados a cada geração, o antropocentrismo tem sua raiz em Gênesis 3, quando nossos pais escolheram satisfazer um desejo pessoal em detrimento da obediência a Deus. Em seu coração, o homem colocava-se pela primeira vez no centro da criação. Hoje, não é diferente. O homem busca ser o centro do universo e da teologia. Assim, mesmo na teologia os temas mais celebrados em nossos dias giram em torno da satisfação humana, e não da verdade divina. Fala-se de céu, e não de inferno. Promete-se a prosperidade que satisfaz e omite-se o sofrimento e a perseguição. Contudo, na galeria dos heróis da fé, mencionados em Hebreus 11, encontramos cristãos fiéis sofrendo, cortados ao meio, lançados em covas de leões, torturados, maltratados e encarcerados. Lemos que ali mulheres perderam, repentina e tragicamente, seus maridos, e filhos perderam seus pais.


A influência antropocêntrica também leva a Igreja a desenvolver um perfil contrário à missão. Ela passa a escolher e destacar os versos bíblicos que prometem felicidade e paz, deixando em segundo plano os trechos que falam sobre missão, responsabilidade e serviço. O hedonismo e o narcisismo são variantes deste movimento antropocêntrico que tem influenciado a Igreja de Cristo de forma extremamente rápida em nossos dias. O hedonismo – a busca pelo prazer e realização pessoal – tem tentado extinguir toda chama de abnegação, disposição e sacrifício do crente pela causa de Deus. Ele também impele o cristão a escolher suas crenças aceitando aquilo que não o confronta. A cultura do entretenimento tenta substituir a cultura do serviço. Assim, a humanidade passou a definir suas atitudes e expectativas perante um único crivo: o que lhe dá prazer.

Outra influência antropocêntrica é o narcisismo. Este desejo de ser belo e reconhecido como tal é outro elemento que cativa a Igreja a andar em caminhos nos quais se substitui a glória de Deus pela humana. Se o motivo maior da existência da Igreja é glorificar a Deus, o narcisismo é uma das maiores barreiras em nossa caminhada. Por estímulo narcisista, diversos crentes fazem a coisa certa pela motivação errada. A armadilha contida nessa variante antropocêntrica é nos tornarmos pessoas envolvidas com Deus e a sua obra, ativas na igreja e na missão, solícitas para cooperar com o próximo – porém, tudo é feito para nossa própria exaltação e glória. Enganoso é o coração!

O narcisismo tenta despertar em nós a vaidade que faz nascer o desejo de sermos reconhecidos, bajulados e mencionados por outros de forma destacada. É preciso, porém, compreender que, para cumprir a vontade do Pai, não nos basta colocar a mão no arado: é necessário buscar um coração puro. Perante os desafios da vida e da fé, é preciso definir a fonte. O que a Reforma Protestante produziu no século 16 foi um retorno à Palavra que necessita ser exercitado a cada dia. Vivemos um dos momentos mais sensíveis quanto ao ataque à fé cristã em nossa geração. A Igreja está sendo influenciada por relativismos e antropocentrismos que a levam a buscar a fórmula da felicidade, e não a obediência ao Pai. Também nossos jovens estão sendo frontalmente combatidos nos meios universitários em razão de sua fé. A promoção do ateísmo, em todas as instâncias de convívio social, jamais foi tão forte. Perante tais ataques devemos dobrar nossos joelhos em oração, alicerçar nossa fé nas Escrituras e ensinar abundante e insistentemente aos nossos filhos as verdades de Deus.


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Ronaldo Lidório é pastor presbiteriano, teólogo e antropólogo. Serve como missionário junto aos povos indígenas do Brasil (APMT/AMEM) e coordena o Instituto Antropos, que treina e assessora missionários em diversos países.
Texto adaptado para o blog Púlpito Reformado.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Série: Os Atributos de Deus - Os Decretos de Deus [2/17]

Por Arthur W. Pink

O decreto de Deus é Seu propósito ou determinação com respeito às coisas futuras. Usamos o singular, como o fazem as Escrituras (Romanos 8:28; Efésios 3:11), porque houve somente um ato de Sua mente infinita acerca das coisas futuras. Entre­tanto, nós falamos como se houvesse muitos, porque as nossas mentes só conseguem pensar em ciclos sucessivos, conforme sur­gem os pensamentos e as ocasiões, ou com referência a vários objetos do Seu decreto, os quais, sendo muitos, parecem-nos re­querer um propósito diferente para cada um deles. O entendi­mento infinito de Deus não avança passo a passo, ou de etapa a etapa. "Conhecidas por Deus são todas as Suas obras desde a eternidade" (Atos 15:18 versão autorizada KJ, 1611).
As Escrituras fazem menção dos decretos de Deus em muitas passagens, empregando vários termos. A palavra "decreto" acha-se no Salmo 2:7, etc. Em Efésios 3:11 lemos a respeito do Seu "eterno propósito". Em Atos 2:23, do "... determinado conselho e presciência de Deus... ". Em Efésios 1:9, do "... mistério da sua vontade... ". Em Romanos 8:29 lemos que Ele também "predestinou". Em Efésios 1:9, sobre "o seu beneplácito". Os decretos de Deus são denominados Seu "conselho" para significar que são consumadamente sábios. São chamados Sua "vontade" para mostrar que Ele não estava sob nenhum outro domínio, mas agiu de acordo com o Seu beneplácito. Quando a norma de conduta de uma pessoa é a sua vontade, geralmente é caprichosa e irrazoável. Mas nos procedimentos divinos a sabedoria está sempre associada com a "vontade" e, por conseguinte, os decretos de Deus são descritos como sendo "o conselho da sua vontade" (Efésios 1:11).
Os decretos de Deus se relacionam com todas as coisas futuras, sem exceção: o que quer que seja feito no tempo, foi pré-ordenado antes de iniciar-se o tempo. O propósito de Deus dizia respeito a todas as coisas, grandes e pequenas, boas e más, conquanto, com referência a estas, devemos ter o cuidado de afirmar que, se bem que Deus é o Ordenador e Controlador do pecado, não é o seu Autor do mesmo modo como é o Autor do bem. O pecado não poderia proceder de um Deus santo por criação direta e positiva, mas somente por permissão decretatória e ação negativa. O decreto de Deus é tão abrangente como o Seu governo, estendendo-se a todas as criaturas e a todos os eventos.
Relaciona-se com a nossa vida e com a nossa morte, com o nosso estado no tempo, bem como na eternidade. Como Deus faz todas as coisas segundo o conselho da Sua vontade, ficamos sabendo por Suas obras em que consiste (ou consistiu) o Seu conselho, assim como julgamos a planta de um arquiteto inspecionando o edifício que foi construído sob sua direção.
Deus não decretou meramente criar o homem, colocá-lo na terra, e depois deixá-lo entregue à sua própria direção descontro­lada; antes, fixou todas as circunstâncias do destino dos indiví­duos, e todas as particularidades que a história da raça humana compreende, desde o seu início até o seu fim. Ele não decretou simplesmente o estabelecimento de leis gerais para o governo do mundo, mas dispôs a aplicação dessas leis a todos os casos par­ticulares. Os nossos dias estão contados, como contados estão os cabelos das nossas cabeças. Podemos entender a extensão dos decretos divinos pelas distribuições providenciais, mediante as quais eles são executados. Os cuidados de Deus alcançam as criaturas, mais insignificantes e os mais diminutos eventos, como a morte de um pardal e a queda de um fio de cabelo.
Consideremos agora algumas das propriedades dos decretos divinos. Em primeiro lugar, são eternos. Supor que sequer um deles foi ditado dentro do tempo, é supor que ocorreu algum novo acontecimento, surgiu algum evento imprevisto ou alguma combinação imprevista de circunstâncias, que induziu o Altíssimo aidealizar uma nova resolução. Isto favoreceria a idéia de que o conhecimento de Deus é limitado e que Ele vai ficando mais sábio conforme o tempo avança — o que seria uma horrível blasfêmia. Ninguém que creia que o entendimento divino, é infinito, abrangendo o passado, o presente e o futuro, jamais admitirá a errônea doutrina de decretos temporais. Deus não ignora os eventos futuros que serão executados por volições humanos; Ele os predisse em inúmeros casos, e a profecia não é nada menos do que a manifestação da Sua presciência eterna. As Escrituras afirmam que os crentes foram escolhidos em Cristo antes da fundação do mundo (Efésios 1:4), sim, que foi então que a “graça” lhes foi dada (2 Timóteo 1:9).
Em segundo lugar, os decretos de Deus são sábios. A sabe­doria é evidenciada na seleção dos melhores fins possíveis e dos meios mais apropriados para cumpri-los. Pelo que conhecemos dos decretos de Deus, é evidente que lhes pertence esta característica. Eles se nos revelam por sua execução, e toda evidência de sabe­doria nas obras de Deus é prova da sabedoria do plano segundo o qual eles são realizados. Como declara o salmista, "Ó Senhor, quão variadas são as tuas obras! Todas as cousas fizeste com sabedoria..." (Salmo 104:24). Na verdade, só podemos observar uma pequeníssima parte delas, mas devemos proceder aqui como fazemos noutros casos, e julgar o todo pela amostra, o desconhe­cido pelo conhecido. Aquele que percebe o funcionamento admiravelmente engenhoso das partes de uma máquina que teve opor­tunidade de examinar, será naturalmente levado a crer que as outras partes são de igual modo admiráveis. Da mesma maneira, devemos persuadir nossas mentes quanto às obras de Deus quan­do nos invadem dúvidas, e repelir as objeções acaso sugeridas por alguma coisa que não podemos conciliar com as nossas no­ções do que é bom e sábio. Quando alcançarmos os limites do finito e contemplarmos os misteriosos domínios do infinito, excla­memos: "Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus..." (Romanos 11:33).
Em terceiro lugar, são livres. "Quem guiou o Espírito do Senhor? E que conselheiro o ensinou? Com quem tomou conse­lho, para que lhe desse entendimento, e lhe mostrasse as veredas do juízo e lhe ensinasse sabedoria, e lhe fizesse notório o caminho — da ciência?" (Isaías 40:13-14). Deus estava sozinho quando elaborou os Seus decretos, e as Suas determinações não foram influenciadas por nenhuma causa externa. Ele era livre para decretar ou não, e para decretar uma coisa e não outra. É preciso atribuir esta liberdade Àquele que é supremo, independente e soberano em tudo que faz.
Em quarto lugar, são absolutos e incondicionais. Sua execução não depende de qualquer condição que se pode ou não cumprir. Em cada caso em que Deus tenha decretado um fim, decretou também todos os meios para esse fim. Aquele que decretou a salvação dos Seus eleitos, também decretou produzir fé neles, (2 Tessalonicenses 2:13). "...O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade" (Isaías 46:10); mas não poderia ser assim, se o Seu conselho dependesse de uma condição que não pudesse ser cumprida. No entanto Deus "...faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade" (Efésios 1:11).
Lado a lado com a imutabilidade e invencibilidade dos de­cretos de Deus, as Escrituras ensinam claramente que o homem é uma criatura responsável e que tem que responder por suas ações E se as nossas idéias se formam com base na Palavra de Deus a defesa de um daqueles ensinos não levará à negação do outro (Reconhecemos sem reserva que há real dificuldade em definir onde um termina e o outro começa) Sempre acontece isto quando há uma conjunção do divino e do humano. A verdadeira oração é ditada pelo Espírito e, não obstante, é também o clamor do coração humano. As Escrituras são a Palavra de Deus inspi­rada mas foram escritas por homens que eram algo mais que máquinas nas mãos do Espírito. Cristo é Deus e homem. Ele e onisciente, mas crescia em sabedoria (Lucas 2:52). É todo-poderoso porém "... foi crucificado por fraqueza..." (2 Coríntios 13:4). É o Príncipe da vida e, contudo, morreu. Mistérios profun­dos são estes, mas a fé os recebe sem contestação.
Tem-se assinalado muitas vezes no passado que toda objeção contra os decretos eternos de Deus aplica-se com igual intensidade contra a Sua eterna presciência. "Se Deus decretou ou não todas as coisas que acontecem, aqueles que admitem a existência de Deus reconhecem que Ele sabe de antemão todas as coisas. Pois bem é evidente que se Ele conhece de antemão todas as coisas, Ele as aprova ou não as aprova, isto é, ou quer que se realizem, ou não quer. Mas querer que se realizem é decretá-las (Jonathan Edwards).
Finalmente, procure-se supor e depois contemplar o oposto. Negar os decretos divinos seria proclamar um mundo, e tudo que se relaciona com ele, regulado somente por acaso ou por destino cego. Então, que paz, que segurança, que consolo haveria para os nossos pobres corações e mentes? Que refúgio haveria para onde fugir na hora da necessidade e da provação? Nada disso haveria. Não haveria nada menos que as densas trevas e o abjeto horror do ateísmo. Oh meu leitor, quão agradecidos devemos estar por­que tudo está determinado pela infinita sabedoria e bondade de Deus! Quanto louvor e gratidão devemos a Ele por Seus decre­tos! Graças a estes "... sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto" (Romanos 8.28). Podemos muito bem exclamar: "...glória pois a ele eternamente. Amém" (Romanos 11:36).

Fonte: Arthur W. Pink, Os Atributos de Deus, 1990, PES.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Por Que Seminaristas Costumam Perder a Fé Durante os Estudos Teológicos?



Por Rev. Augustus Nicodemus Lopes


Não quero dizer que acontece com todos. Mas, acontece com muitos. Conheço vários casos, inclusive próximos a mim, de jovens cristãos fervorosos, dedicados, crentes, compromissados com Deus, que gostavam de orar e ler a Biblia, que evangelizavam em tempo e fora de tempo, e que depois de entrar no seminário ou faculdade de teologia, esfriaram na fé, se tornaram confusos, críticos, incertos e até cínicos. Como Tomé, não conseguem crer (espero que ao final venham a crer, como graciosamente aconteceu com Tomé).

E isso pode acontecer até mesmo em seminários cujos professores são conservadores, que acreditam na Bíblia de capa a capa. Esse quase foi o meu caso. Após minha conversão em 1977, depois de uma vida desregrada e dissoluta, dediquei-me à pregação do Evangelho e a plantar igrejas. Larguei meu curso de Desenho Industrial na Universidade Federal de Pernambuco e fui trabalhar como obreiro no litoral de Olinda, pregando a uma comunidade de pescadores, depois no interior de Pernambuco entre plantadores de cana e finalmente entre viciados em droga em Recife. Todos me aconselhavam a fazer o curso de seminário e a me tornar pastor. Eu resistia, pois tinha receio de que quatro anos em um seminário iriam esfriar o meu ânimo, meu zelo, minha paixão pelas almas perdidas. Eu conhecia vários seminaristas e não tinha a menor intenção de me tornar como eles. Finalmente cedi. Entrei no seminário aos 24 anos de idade, provavelmente como um dos mais relutantes candidatos ao ministério que passara por aquelas portas. Tive professores muito abençoados que me ensinaram teologia, Bíblia, história, aconselhamento. Eram todos, sem exceção, homens de Deus, comprometidos com a infalibilidade das Escrituras e com a teologia reformada. 

Tenho tenho que confessar, porém, que nesse período, esfriei bastante. Perdi em parte aquele zelo evangelístico, a prática de dedicar várias horas diárias para ler a Bíblia e orar. O contato com a história da Igreja, a história das doutrinas, as controvérsias, afora a carga tremenda de leituras e trabalhos a serem feitos, tudo isso teve impacto na minha vida devocional. Pela graça de Deus, durante esse período me mantive ligado ao trabalho evangelístico, à pregação. Mantive-me em comunhão com outros colegas que também amavam o Senhor e juntos orávamos, discutíamos, compartilhávamos nossas angústias, alegrias, dificuldades e planos futuros. Saí do seminário arranhado.

Infelizmente esse não é o caso de muitos. Se o Mauro Meister quisesse, ele poderia dar testemunho aqui de como quase perdeu a fé em Deus e na Palavra quando entrou no seminário da denominação à qual ele pertencia antes de ser presbiteriano. Ele teve que tomar uma decisão: ficar e perder a fé, ou sair. Preferiu sair -- pelo que todos nós somos gratos! -- e fazer outro seminário. Além desses dois casos que eu mencionei, conheço vários outros de seminaristas, estudantes de teologia, que perderam a fé, o zelo, o fervor, a confiança, e que saíram do seminário totalmente diferentes daqueles jovens entusiasmados, evangelistas, que um dia entraram na sala de aula ansiosos por aprender mais de Deus e da sua Palavra.

Existem algumas razões pelas quais essa história tem se tornado cada vez mais comum. Coloco aqui as que considero mais relevantes, sempre lembrando que muitos seminários e escolas de teologia levam muito a sério a questão da ortodoxia bíblica e do cultivo da vida espiritual de seus alunos. Não é a eles a que me refiro aqui.

1) Acho que tudo começa quando as denominações mandam para os seminários e faculdades de teologia jovens que não têm absolutamente a menor condição de serem pastores, professores, obreiros e pregadores. Muitos são enviados sem qualquer preparo intelectual, espiritual e emocional. Alguns mal fizeram 17 anos e foram enviados simplesmente porque eram líderes destacados dos adolescentes de sua igreja, eram líderes do grupo de louvor ou filhos de pessoas influentes da igreja. Não é sem razão que Paulo orienta que o líder não pode ser neófito, isto é, novo na fé (1Tim 3.6). Eles não têm a menor estrutura intelectual, bíblica e emocional para interagir criticamente com os livros dos liberais e com os professores liberais que vão encontrar aos montes em algumas das instituições para onde serão mandados. Não estarão inoculados preventivamente contra o veneno que professores liberais costumam destilar em sala de aula. E nem têm ainda maturidade para estudar teologia como se fosse uma disciplina qualquer, até mesmo quando ensinada por professores conservadores que mal oram em sala de aula.

2) Acho também que a culpa é das denominações que mantêm professores liberais ou conservadores frios espiritualmente nas cátedras de suas escolas de teologia. O que um professor que não acredita em Deus, nem que a Bíblia é a Palavra de Deus, não ora, tem para ensinar a jovens que estão na sala de aula para aprender mais de Deus e de sua Palavra? Há seminários e escolas de teologia que mantêm no corpo docente professores que nem vão mais à uma igreja local, que usam o título de pastor apenas para ocupar uma vaga na cátedra dos seminários. Nunca levaram ninguém a Cristo e nem estão interessados nisso. Não têm vida de oração, de piedade. Que exemplo eles poderão dar aos jovens que sentam nas salas de aula com a mente aberta, ansiosos e desejosos de ter modelos, exemplos de líderes para começar seus próprios ministérios?

3) Alguns desses professores têm como alvo pessoal destruir a fé de todos os seus estudantes antes mesmo que terminem o primeiro ano de estudos. Começam desconstruindo o conceito de que a Bíblia é a infalível e inspirada Palavra de Deus. Com grandes demonstrações de sapiência e erudição, eles mostram os erros da Bíblia e o engano da Igreja Cristã, influenciada pela filosofia grega, em elaborar doutrinas como a Trindade, a Divindade de Cristo, a Expiação. Mesmo sem usar linguagem direta -- alguns usam, todavia -- lançam dúvidas sobre a ressurreição literal de Cristo de entre os mortos. A pá de cal na sepultura da fé desses meninos é a vida desses professores. Além de não terem vida devocional alguma, alguns deles ensinam os seus pobres alunos a beber, fumar e freqüentar baladas e outros locais. Eles até lideram o grupo Noé (que se encheu de vinho) e o grupo Isaías ("e a casa se encheu de fumo") nos seminários!!

4) Bom, acredito que uma fé que pode ser destruída deve ser destruída mesmo, pois não era autêntica e nem sólida. Quanto mais cedo ela for destruída e substituída por uma fé robusta, enraizada na Palavra de Deus, melhor. Acontece que os professores liberais e os professores conservadores mortos só sabem destruir; eles não têm a menor idéia de como ajudar jovens candidatos ao ministério pastoral a cultivar uma mente educada, uma fé robusta e uma vida de devoção e consagração a Deus: os primeiros, porque lhes falta fé; os segundos, devoção. Ao fim de quatro anos de estudo com professores assim, vários desses jovens saem para serem pastores, mas intimamente -- alguns, abertamente -- estão cheios de dúvidas quanto à Bíblia, quanto a Deus e quanto às principais doutrinas da fé cristã. Estão confusos teologicamente, incertos doutrinariamente e cínicos devocionalmente. Quando entraram nos estudos teológicos, eram jovens que tinham como a missão principal de sua vida pregar o Evangelho, glorificar a Deus e ganhar o mundo para Cristo. Agora, após quatro anos debaixo de professores liberais ou conservadores mortos, seu único alvo é conseguir campo para ganhar o pão de cada dia e sustentar-se e à família. Esse tipo de motivação destrói igrejas em curto espaço de tempo.

5) Não podemos deixar de lembrar que ao final, se trata de uma guerra espiritual feroz, em que Satanás tenta de todos os modos corromper a singeleza e sinceridade da fé em Cristo, atacando a mente e o coração dos futuros pastores (2Cor 11:3). Usando professores sem fé e professores sem vida espiritual, ele procura minar as convicções, a certeza, o fervor e a dedicação dos jovens que se preparam para o ministério. Aqui é pertinente o lema de Calvino, orare et labutare. Pela oração, os seminaristas poderão escapar da tendência dos estudos teológicos de transformar nossa fé em um esquema doutrinário seco. E pela labuta nos estudos poderão se livrar das mentiras dos professores liberais, neo-ortodoxos, libertinos e marxistas.

Eu daria as seguintes sugestões a quem pensa em fazer teologia e depois seguir a carreira pastoral.
  • Verifique suas motivações. O que lhe leva a desejar o pastorado? Muitos querem ser pastores porque não conseguem ser mais nada na vida. Não conseguem passar no vestibular para outras carreiras e nem conseguem emprego. Vêem o pastorado como um caminho fácil para ter um emprego.
  • Procure saber qual a opinião de seus pais, de seus pastores, e de seus amigos mais chegados, que terão coragem de lhe dizer a verdade.
  • Seja honesto consigo mesmo e responda: você já levou alguém a Cristo? Você tem liderança? Você tem facilidade de comunicação em público e em particular?
  • Você tem uma vida devocional firme, constante, sólida, em que lê a Bíblia e ora, buscando a face de Deus, com zelo e fervor? Cultiva uma vida santa e reta diante de Deus, odeia o pecado e almeja ser mais e mais santo em seu caminhar?
Um colega de seminário me lembrou recentemente que uma das coisas que o impediram de perder a fé e o fervor durante o tempo de estudos foi que ele tenazmente se aproximou dos professores conservadores que eram espirituais, dedicados, fervorosos, que valorizavam a vida com Deus e a santidade. A comunhão com esses homens de Deus foi um refrigério para ele, e funcionou como uma âncora nos momentos de tentação e crise.

Lamento pelos jovens que perdem sua fé ou seu amor a Deus durante os anos de estudos teológicos. Lamento mais ainda pelas igrejas onde eles vão trabalhar e onde plantarão as mesmas sementes de incredulidade e frieza que foram semeadas em sua mentes abertas e despreparadas por professores que não tinham fé ou não tinham zelo.