Por Marcos Granconato
INTRODUÇÃO
O tema da presente monografia encerra uma
das maiores necessidades da igreja moderna, a saber, a necessidade de um
princípio fixo que regule os atos do culto prestado a Deus por seu
povo.
Num tempo em que tão-somente o homem é o alvo de
preocupação de diversos líderes religiosos, quando elaboram a ordem e a
forma que o culto por eles ministrado deve tomar, mister se faz que
recordemos a elementar verdade de que o culto cristão deve ser prestado
ao Deus Trino, tendo como preocupação mais elevada agradar a ele só,
assumindo, para isso, a forma que ele próprio estabeleceu na sua santa
Palavra.
Infelizmente, é assustador como verdades tão
elementares, tão óbvias quanto antigas, tenham se tornado objeto de
descaso e até de ataque por parte dos incontáveis proponentes de um
culto antropocêntrico que, para multiplicar adeptos, dispõe-se a
sacrificar tudo o que incomode o homem e a trazer para a liturgia
qualquer coisa que o entretenha.
Assim, em face de um quadro tão
medonho, cujas cores se alastram com intensa velocidade atingindo até
mesmo as denominações históricas antes conhecidas por seu cuidado nas
questões ligadas ao culto, é fundamental que nos voltemos para o que foi
conhecido entre os teólogos reformados como o Princípio Regulador do
Culto.
Este trabalho terá, portanto, tal princípio como seu tema
central. Formulando uma definição do que seja precisamente o Princípio
Regulador, a monografia seguirá dando especial enfoque à sua necessidade
e importância, bem como à solidez dos fundamentos teológicos sobre os
quais foi construída a norma que deve reger todos os nossos atos de
adoração.
Antes de tratar diretamente do tema principal, a
monografia apresentará algumas informações históricas referentes à
Confissão de Fé de Westminster que, em seu artigo XXI, deu forma
definitiva ao princípio já constante, como veremos, dos escritos do
próprio João Calvino.
A conclusão do trabalho constará de uma
análise crítica da presente situação da igreja no tocante à forma de
culto e, em meio a uma breve recapitulação, demonstrará a urgente
necessidade atual da aplicação do antigo Princípio Regulador do Culto,
marca das igrejas reformadas de outrora.
O método usado para a produção desta monografia foi a pesquisa bibliográfica de fontes primárias e secundárias.
2. A CONFISSÃO DE WESTMINSTER - BREVE HISTÓRICO
Desde muito cedo, a igreja cristã desenvolveu a prática de formular
declarações de fé com o propósito de fixar o que deve ser considerado
correto em matéria doutrinária. Nos tempos da Reforma, porém, quando o
campo de controvérsia doutrinária se estendeu até o ponto de surgirem
diferentes grupos eclesiásticos, essa prática tornou-se ainda mais
acentuada, com as diversas igrejas protestantes apresentando o que criam
ser a formulação correta acerca dos inúmeros artigos de fé. Foi nesse
contexto que surgiu a confissão de que trata esta seção.
A
Confissão de Fé de Westminster foi redigida por uma assembléia de
teólogos reunida em Westminster por convocação do parlamento inglês, em
1643. O objetivo da referida assembléia era preparar um esquema de
uniformidade da religião em face da então recente união entre Inglaterra
e Escócia.
Concluída em 26 de novembro de 1646, a Confissão de
Fé de Westminster, juntamente com outras formulações como a Forma de
Governo da Igreja, o Diretório do Culto e os Catecismos Maior e Menor,
forneceram a base para uma igreja presbiteriana unida nas duas partes do
Reino Unido.
Apesar de o alvo da uniformidade ter sido
frustrado com a restauração da monarquia dos Stuarts, em 1661, a qual
restabeleceu o episcopado na Inglaterra, a Confissão de Westminster
continuou sendo reconhecida como a principal norma subordinada da Igreja
da Escócia e a formulação doutrinária mais amplamente aceita pelos
presbiterianos da Inglaterra, Escócia e, mais tarde, dos Estados Unidos.
Nos dias modernos, a Confissão não ocupa mais o mesmo lugar no
pensamento da igreja que ocupou no passado. Várias mudanças no seu texto
têm sido propostas, inúmeros dos seus artigos têm sido rejeitados por
um vasto número de teólogos e diferentes interpretações de algumas de
suas afirmações têm sido apresentadas. De fato, até mesmo o ideal de uma
nova confissão tem sido acalentado por pastores e líderes de destaque
dentro da Igreja Presbiteriana ao redor do mundo.
Todas essas
reações, porém, resultam de um princípio estabelecido pela própria
Confissão, a saber, a verdade de que todos os sínodos e concílios podem
errar (CFW XXXIII, 3) , estando suas formulações, portanto, sempre
sujeitas a revisão e reforma. Isso ilustra o fato de que, tanto para
aqueles que a aceitam como para os que a criticam, a Confissão de Fé de
Westminster estabeleceu fundamentos preciosos para o desenvolvimento da
teologia como tal, sendo esses fundamentos intocáveis como ponto de
partida para o pensamento protestante nas suas mais diversas expressões.
Um outro exemplo de "fundamento intocável", como o descrito
acima, encontra-se, sem dúvida, no chamado Princípio Regulador do Culto,
como será visto a seguir.
3. O PRINCÍPIO REGULADOR DO CULTO
Emana do Capítulo XXI da Confissão de Fé de Westminster, o que
convencionou-se chamar de Princípio Regulador do Culto. O primeiro
artigo do mencionado capítulo estabelece, in verbis:
A luz da
natureza nos ensina que há um Deus, que exerce senhorio e soberania
sobre tudo, que é bom e faz o bem a todos, e que por isso deve ser
temido, amado, louvado, invocado, crido de todo coração, e servido com
toda a alma e com todas as forças; mas o modo aceitável de adorar o
verdadeiro Deus foi instituído por ele mesmo, e de tal modo determinado
por sua vontade revelada, que não se deve adorar a Deus conforme as
imaginações e invenções dos homens ou as sugestões de Satanás, sob
alguma representação visível ou de outro modo que não seja o prescrito
na Santa Escritura.
A partir do artigo acima transcrito, e
estendendo-se até o capítulo seguinte, a Confissão apresenta o dever do
homem para com Deus exposto na primeira tábua da Lei de Moisés. Esse
dever talvez possa ser resumido na palavra "culto" que, basicamente,
denota a atitude e comportamento adequados diante da divindade, os quais
são expressos em atos formais de veneração.
Conforme estabelece
a Confissão, o dever de culto se fundamenta, inicialmente, na
existência de um Deus soberano e bom, existência essa percebida graças à
luz da natureza. Não basta, porém, ao homem, ter conhecimento do seu
dever de adorar o Deus Soberano. É-lhe necessário também saber como
adorá-lo. Ora, o conhecimento dessa matéria não advém da análise do
universo criado, ma sim do que foi revelado pelo Espírito Santo na
Sagrada Escritura, a qual, se for cuidadosamente observada, impedirá que
o homem caia no erro e na superstição ao tentar adorar o Criador como
melhor lhe convier.
É precisamente nesse ponto que a Confissão
de Fé de Westminster oferece elementos para o enunciado do Princípio
Regulador do Culto. Tal princípio deve ser formulado a partir do fato de
que somente o verdadeiro Deus pode determinar o modo como importa ser
adorado. Isso somado ao conceito cristão da Escritura possibilita a
construção de um conceito objetivo daquilo que chamamos de Princípio
Regulador, possível de ser detectado no texto da Confissão. A
importância e base teológica desse princípio também devem ser
consideradas.
3.1 CONCEITO
A expressão "princípio
regulador do culto" denota a existência de um valor básico e imutável
que deve ser protegido enquanto se realiza qualquer ato formal de
adoração. A proteção desse valor implica a observância de uma norma
geral que rege o culto e lhe dá forma. Esse preceito básico impõe
limites ao adorador, impedindo-o de, levado pelos ditames de sua
consciência depravada, apresentar diante de Deus qualquer coisa que não
corresponda à sua natureza e vontade.
O valor básico e imutável a
ser protegido no campo da adoração é o "direito" exclusivo de Deus de
determinar o modo como deve ser cultuado. A regra básica que protege
esse valor pode ser formulada da seguinte maneira: nada pode ser
praticado durante o culto a Deus que não tenha sido expressamente
estabelecido e determinado por ele próprio nas páginas da sua revelação
escrita. É a essa regra básica que convencionou-se chamar "Princípio
Regulador do Culto".
Já em Calvino (1509-1564) é possível
encontrar a adoção desse princípio. Nas suas Institutas, onde se insurge
contra os abusos da igreja de seu tempo, o reformador ensina que
somente a Deus compete estabelecer o modo como importa ser adorado. Diz
ele:
De ter-se em mente, ademais, é que as superstições
freqüentemente se referem nestes termos, que são obras das mãos dos
homens, e carecem da divina autoridade, para que seja isto estabelecido:
que são abomináveis todas as formas de culto que os homens inventam de
si próprios.
Logo a seguir, Calvino escreve:
Deus, porém,
para que a si vindique seu direito, se proclama ser zeloso e haver de
ser severo vingador, se com qualquer deidade fictícia se mesclar. Então,
para que lhe mantenha o gênero humano em obediência, define seu
legítimo culto. A um e outro desses aspectos enfeixa em sua Lei, quando,
primeiramente, a si adjudica os fiéis, a fim de ser-lhes o legislador
único, depois, prescreve a regra segundo a qual seja devidamente
cultuado, conforme seu alvedrio.
Que Calvino via a Escritura
como a fonte de informação acerca da maneira como deve realizar-se o
culto fica claro a partir das citações acima e também do que ensina logo
a seguir, ao enunciar que "mediante sua Lei, quis ele [Deus] prescrever
aos homens que seja justo e reto e, destarte, adstringi-los a uma norma
precisa, para que ninguém se permitisse forjar expressão cultual
qualquer que seja".
Assim, o Princípio Regulador do Culto,
conforme ensinado por Calvino e, posteriormente, fixado pela Confissão
de Fé de Westminster, pode ser conceituado como o preceito que reserva
exclusivamente a Deus a liberdade e poder para determinar o modo como o
seu culto deve ser realizado, sendo tais determinações reveladas de
forma clara, detalhada e específica na Bíblia.
Esse princípio é o
que separa os cristãos reformados de outros protestantes. Enquanto
luteranos, anglicanos e evangélicos em geral ensinam que as igrejas
podem fazer tudo o que a Palavra de Deus não proíbe expressamente, os
reformados defendem que as igrejas podem fazer somente o que a Escritura
ordena.
3.2 IMPORTÂNCIA
O culto cristão tem como uma
de suas mais tocantes marcas a espontaneidade do adorador. O crente não
cultua a Deus movido somente pelo dever. Ele o faz também porque tem
prazer nisso. George S. Hendry lembra que "o culto que os cristãos
oferecem a Deus, não somente como dever, mas como prazeroso privilégio, é
uma resposta à experiência especificamente cristã da salvação". Assim, o
culto cristão é um reflexo da consciência que o crente tem do que foi
feito por Deus a seu favor.
Isso, por si só, embasa a afirmação
de que a adoração cristã deve ser espontânea, alegre, sincera e livre de
restrições estéreis, oriundas de tradições e costumes humanos. Contudo,
a liberdade com que, movido pela gratidão, o crente deve cultuar a Deus
não deve ser uma liberdade sem fronteiras. Uma liberdade assim
descambaria na mais completa desordem, toleraria excessos por parte de
pessoas inclinadas à indecência e daria ao adorador a suposta
prerrogativa de servir o Deus santo por meio de atos que
desconsiderassem a sua natureza, caráter e vontade.
Disso tudo
se depreende a importância do reconhecimento de um princípio que, à luz
da Escritura, regule os atos formais de busca, louvor e serviço a Deus.
Ademais, a história eclesiástica corrobora a tese de que o princípio
aqui tratado é de importância vital para a manutenção da própria pureza
do cristianismo.
De fato, ao tempo em que a Confissão de
Westminster foi elaborada, a maior expressão de culto inaceitável era
encontrada na veneração de imagens, praticada especialmente na Igreja
Católica Romana. O próprio texto da Confissão revela que esse era o
desvio que os teólogos de Westminster tinham em mente quando deram forma
clássica ao Princípio Regulador. De fato, assim se pronunciaram: "Não
se deve adorar a Deus conforme as imaginações e invenções dos homens ou
as sugestões de Satanás, sob alguma representação visível...". É, pois,
evidente que, num primeiro momento, o Princípio Regulador foi ressaltado
no afã de demonstrar a impiedade manifesta no culto das imagens.
Ocorre,
porém, que aquela norma que impõe limites ao culto cristão revela-se
preciosa não só como base sólida para a rejeição das imagens, mas também
como um padrão fixo por meio do qual o crente pode medir qualquer
prática ou costume que se insinue no culto a Deus ao longo dos séculos.
É,
portanto, com o Princípio Regulador do culto em mente que o líder
cristão moderno poderá considerar, por exemplo, se a coreografia ou
outras formas de expressão corporal devem ou não ser aceitas no culto
pelo qual ele é responsável. Por outro lado, a ausência de um princípio
por meio do qual possam ser avaliadas práticas como a mencionada,
deixará o ministro de Deus à mercê de sua própria consciência e sem
força de argumentos para resistir à pressão de indivíduos que pretendem
fazer do culto um mero período de descontração.
Não é, contudo,
somente na esfera cultual que o Princípio Regulador do Culto mostra sua
imensurável importância. Também nas diversas situações da vida, seja em
família ou no desempenho de seus deveres de cidadão, a idéia que subjaz o
Princípio Regulador, a saber, só é aceitável o que Deus requer,
determinará, quando instalada na mente do crente, a forma como devem ser
construídas suas convicções, bem como o modo como deverá agir.
D.
G. Hart e John R. Meuther escreveram um artigo no qual narram um
episódio curioso na vida do eminente teólogo J. Gresham Machen
(1881-1937). O artigo fala da oposição que ele sofreu por parte da
Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos quando, em
1926, foi indicado para ocupar a cadeira de Apologética no Seminário de
Princeton. Hart e Meuther chamam a atenção para o fato de que a
resistência foi devido a Gresham Machen se ter posicionado contra uma
resolução do Presbitério de Nova Jersey que endossava a Décima Oitava
Emenda a qual, de 1919 a 1933, proibiu a venda, manufatura e transporte
de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos.
Segundo o entender dos
autores do referido artigo, Machen, na defesa de sua posição,
baseava-se no Princípio Regulador, pelo qual o que é expressamente
permitido por Deus nas Escrituras é aceitável. Ora, a Bíblia, ainda que
condene a embriaguez, admite o uso de bebida alcoólica, não podendo,
portanto, a igreja atar os crentes com as correntes da abstinência total
quando o próprio Deus não o faz. A conclusão a que chega o artigo é que
"o Princípio Regulador se aplica não somente à adoração, mas a todos os
aspectos da vida e testemunho da igreja".
Disso tudo decorre a
importância do Princípio Regulador do Culto. Na sua falta, não somente o
vício se insinua com facilidade no culto cristão, mas também outras
áreas do viver ficam à mercê da falível consciência humana, a qual,
quando não peca por fazer concessões demais, erra por impor jugos sobre
os homens que ultrapassam aquilo que o Senhor requer de nós.
3.3 FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS
É do próprio Artigo primeiro do Capítulo XXI da Confissão de Fé de
Westminster que constam os fundamentos teológicos do Princípio Regulador
do Culto. Pode-se reduzi-los a três, a saber: o senhorio e soberania de
Deus sobre tudo; o dever do homem de buscar, servir e adorar a Deus de
forma aceitável; e o fato de Deus ter revelado sua vontade na Palavra.
A
Confissão de Westminster declara que a luz da natureza revela a
existência de um Deus soberano. De fato, a chamada revelação geral, a
qual inclui em seus aspectos a própria consciência humana, aponta para a
existência de um criador, preservador e benfeitor soberano (Sl 19.1-6;
At 17.24-25; Rm 1.19-20) . Dessa mesma fonte se depreende que esse ser é
o governador moral absoluto, a quem todos os seres pessoais devem temer
e adorar, o que é testificado universalmente pelo pensar e agir de
todas as nações em todas as épocas (At 17.23; Rm 2.14-15) .
Uma
vez admitida a existência de um soberano Senhor, o dever de buscá-lo,
servi-lo e adorá-lo de maneira que lhe seja aceitável é a verdade a que
se chega com fácil e breve reflexão. A Escritura Sagrada é pródiga nas
insistências de que o homem deve adorar a Deus, sendo-lhe devedor
perpétuo de louvor, obediência e serviço, tudo isso feito com inteireza
de coração e empenho absoluto da totalidade de suas forças (Sl 31.23;
150; Jr 10.7; Mt 22.37-38; Jo 4.24) .
Sendo Deus o Senhor
soberano a que se deve honrar de maneira que lhe agrade, resta ao homem a
tarefa de descobrir em que Deus se compraz quando está a ser cultuado e
adorado. Ora, essa descoberta não pode ser feita quando o homem
vasculha sua consciência, sua imaginação, suas inclinações pessoais ou
mesmo o exemplo de povos, antigos ou contemporâneos, que seguiram os
impulsos da criatividade humana para estabelecer suas cerimônias
religiosas em honra à divindade. Por isso, sendo infinitamente
misericordioso e não podendo deixar o homem à mercê de seus impulsos
naturais numa matéria de tão elevada importância, o Senhor revelou-lhe
em sua Palavra não somente seu caráter e obras, mas também sua vontade, a
qual abrange determinações que devem ser observadas no culto de sua
santíssima Pessoa.
O eminente teólogo Archibal Alexander Hodge, comentando esse ensino, escreve:
Pode
haver sucedido que, no estado natural do homem e em suas relações
morais com Deus antes da queda, sua razão natural, sua consciência e
instinto religioso tenham sido suficientes para dirigi-lo nesse culto e
serviço. Mas quando sua natureza moral se corrompeu, seu instinto
religioso se perverteu e suas relações morais com Deus se transtornaram
em razão do pecado, é evidente que se fez necessária uma revelação que
não somente dissesse aos homens o que Deus admitiria no culto, mas que
também prescrevesse os princípios e métodos debaixo dos quais tal
serviço e adoração deveriam ser oferecidos.
Assim, na Sagrada
Escritura, a revelação a que se refere Hodge, aprendemos que o culto ao
Deus verdadeiro não deve ser maculado com o uso de imagens de escultura
(Ex 20.4-6) ; que tal culto se torna vão quando mesclado com
ensinamentos que não passam de regras inventadas por homens (Mt 15.8-9;
Cl 2.20-23) ; que o Deus trino é o alvo exclusivo da adoração, não
podendo o louvor dos adoradores ser dirigido a nenhum outro (Mt 4.10) ;
que o culto cristão dispensa o valor dado a templos de madeira e pedra
(Jo 4.21-23) ; que a adoração deve partir do íntimo do indivíduo, sendo
verdadeira e sincera (Jo 4.24) ; que o culto deve ocorrer num ambiente
marcado por decência e ordem (1Co 14.40); que o crente que cultua deve
ter a alma mergulhada em reverência e santo temor (Hb 12.28-29) ; e que o
culto genuíno deve ser oferecido a Deus por meio de um mediador, o qual
é Jesus Cristo (Ef 2.18; 1Tm 2.5) .
A totalidade dessas
prescrições, como se vê, baseia-se na Sagrada Escritura, sendo todas
elas, quando postas em prática, demonstrações notáveis da aplicação do
Princípio Regulador do Culto contemplado nas páginas da Confissão de Fé
de Westminster.
CONCLUSÃO:
A igreja moderna não sofre
em virtude da ausência de um princípio que informe o modo como o culto
cristão deve ser realizado. Ela sofre, isto sim, com a aplicação de um
princípio regulador equivocado.
O princípio regulador adotado
pela maior parte das igrejas da modernidade, diferentemente do defendido
pelos teólogos puritanos de Westminster, não se fundamenta na natureza
de Deus, nem nas prescrições da Sagrada Escritura. Antes, foi construído
a partir dos anseios do coração humano e sob os ditames das marcas
culturais do presente século.
O novo princípio pode ser
enunciado da seguinte maneira: todo ato de adoração deve ter como alvo
central a promoção de sensações agradáveis no ser humano, sendo
expressamente inaceitável qualquer gesto cultual que milite contra isso.
Evidentemente, à luz desse novo princípio, a expectativa humana
determina o formato do culto, dando-se especial atenção aos valores,
práticas e apelos que o homem moderno considera interessantes e
atraentes.
No mar de variedades que surge a partir desse modo de
pensar, a única exigência que deve subjazer qualquer prática é a
sinceridade. Assim, tudo que o adorador quiser realizar no culto a Deus
lhe é permitido desde que o faça livre de hipocrisia. A sinceridade é
assim o fator exclusivo que legitima qualquer prática cultual, segundo a
atual visão antropocêntrica.
É urgente, portanto, que os homens
de Deus, na direção de seus rebanhos, resgatem o antigo Princípio
Regulador do Culto detectado na Bíblia pelos reformadores e pelos
teólogos puritanos de Westminster. É preciso que apresentem ao povo o
seu conceito que consiste na determinação de que nada pode ser praticado
durante o culto a Deus que não tenha sido expressamente estabelecido e
determinado por ele próprio nas páginas da sua revelação escrita.
Ademais,
a importância desse princípio tanto para a avaliação do que deve ser
admitido no culto como para a fixação de convicções acerca de inúmeros
temas relativos à vida cristã deve ser demonstrado aos santos por
intermédio do ensino doutrinário, da aplicação prática e da alusão a
dados da história da igreja.
Também os fundamentos doutrinários
do Princípio Regulador do Culto devem ser apontados como forma de
mantê-lo firmado sobre sólidos alicerces. Tais fundamentos, reduzidos
aqui a três (o senhorio e soberania de Deus sobre tudo; o dever do homem
de buscar, servir e adorar a Deus de forma aceitável; e o fato de Deus
ter revelado sua vontade na Palavra) precisam voltar a formar o tripé
sobre o qual se sustenta não só o Princípio Regulador, mas toda a igreja
em questões de fé e prática.
Resgatado o Princípio Regulador do
Culto nos termos definidos em Westminster, talvez pouco espaço continue
e existir na igreja para o uso tão comum de coreografias, homenagens a
este ou aquele indivíduo (pastores, líderes, políticos, etc.),
espontaneidade desregrada, apresentações humorísticas, supostos
exorcismos e inúmeras outras práticas carentes de amparo bíblico.
O
culto público é o meio pelo qual a igreja manifesta de forma mais
notável o conteúdo da sua fé. É também o momento em que, reunida,
oferece a Deus uma resposta àquilo que sabe que ele é e tem feito. Isso
tudo faz do culto uma das facetas mais importantes do viver cristão. Não
se pode, portanto, negligenciá-lo sem que se sofra imenso prejuízo. Por
isso, o Princípio Regulador do Culto deve ser resgatado. Mantê-lo no
esquecimento pode significar, talvez em curto prazo, a perda da própria
identidade cristã.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A Confissão de Fé de Westminster. São Paulo: Cultura Cristã, 1994. p. 110.
CALVINO.
João. As institutas ou tratado da religião cristã. Vol 1. Traduzido por
Waldyr Carvalho Luz. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985. p.
119.
HART, D. G. e MEUTHER, John R. J. Gresham Machen e o
Princípio Regulador. http://www.monergismo.com/. Traduzido por Felipe
Sabino de Araújo Neto.
HENDRY. George S. La Confessión de Fe de
Westminster para el día de hoy. Traduzido para o espanhol por Jorge
Lara-Braud. Bogotá, Colômbia: CCPAL, 1965. p. 196. Tradução pessoal.
HODGE. Archibal Alexander. Comentário de la Confesion de Fe de Westminster. Barcelona: CLIE, 1987. p. 251. Tradução pessoal.